Blog DIREITO
LATO SENSU, de autoria de Álaze Gabriel.
Disponível
em http://direito-lato-sensu.blogspot.com.br/
Autoria1:
Fernanda
Henrique Cupertino Alcântara.
RESUMO
O artigo discute a descentralização buscando
conciliar o campo jurídico com o político, relatando as diferenças quanto à
conceitualização e operacionalização do conceito nestas duas áreas do
conhecimento. A descentralização é apresentada como um fenômeno
decorrente da descentralização, abrigando, com isso, as possibilidades
de promover uma democratização da tomada de decisões ou um acirramento do
controle político do "coronelismo" nas relações políticas. Objetiva
demonstrar a relação existente entre o federalismo e a descentralização,
partindo do pressuposto de que existem vários tipos de descentralização,
os quais podem ou não ocorrer ao mesmo tempo. Além disso, discute a
implementação das reformas que visaram instaurar a descentralização e
seus resultados efetivos. Para efeito de conclusão, busca demonstrar que o
processo de descentralização não é automático e as previsões legais não
são naturalmente transformadas em práticas sociais.
Palavras-chave: descentralização; reformas legais; Direito
Administrativo.
I. INTRODUÇÃO
A revisão histórica sobre como o município foi
concebido pelo ordenamento jurídico brasileiro chega a um ponto analítico
importante a partir da Constituição de 1946. Como é sabido, a Constituição de
1891, a Reforma Bernardes de 1925-1926, a Constituição de 1934 e a de 1946
asseguraram a autonomia municipal e precederam, com isso, o processo de
descentralização que seria desenvolvido posteriormente2. Provavelmente, em razão disso, temos
freqüentemente presenciado uma naturalização, por parte dos estudiosos, da
relação causal entre municipalização e descentralização, entendendo que um
fenômeno diretamente promove o outro de modo simultâneo, reforçando-se
mutuamente. A descentralização observada na história política brasileira foi
amplamente defendida pelos municipalistas, mas foi também acompanhada por uma
vasta discussão acerca das funções e atribuições que cada unidade da federação
deveria sustentar nesse novo momento histórico. Não é por acaso que a
complexidade do projeto de descentralização brasileiro provavelmente decorre,
entre outras coisas, das múltiplas e, por vezes, coincidentes competências,
modelando um sistema de partilhas e estimulando a cooperação entre as unidades
da federação. Souza (2001b) lembra que a redemocratização assistida em vários
países no final do século passado foi acompanhada de "Constituições
refundadoras" de uma nova ordem institucional e federativa, pautada na descentralização
política e financeira, o que acarretou uma mudança no papel dos entes
federativos. Além disso, a mudança é constitucional porque é necessário que a
norma fundamental orientadora e limitadora de toda a pirâmide kelsiana, que
representa nosso modelo de ordenamento jurídico, seja alterada para que se
possa organizar e estruturar o novo estado. Souza (idem) demonstra que a
Constituição de 1988 ao reconstruir o federalismo (que para ela é inerentemente
acomodação de conflitos) gerou inúmeros embates, principalmente porque esse
novo federalismo fundou-se na descentralização política e tributária, o
que, segundo seu argumento, fortaleceu a democracia. Mas, como veremos adiante,
a descentralização não leva necessariamente a contextos democráticos (ABRUCIO,
2005, p. 49).
II. SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS À DESCEN-TRALIZAÇÃO
À primeira vista parece que o termo
"descentralização" possui sempre o mesmo significado e permite
dúvidas. Porém, o conceito não é "lugar comum" na teoria social e,
por isso mesmo, requer o detalhamento necessário. Como acusa a bibliografia
referente (ARRETCHE, 1999; SOUZA, 2003a; 2003b; ALMEIDA, 2005), muitos
equívocos ocorrem quanto à compreensão da diferença existente entre
federalismo, descentralização e desconcentração. Por essa razão, adotarei uma
distinção básica para os dois últimos conceitos, entendendo a descentralização
como o processo no qual aos órgãos locais ou regionais é atribuída
personalidade jurídica, patrimônio e estrutura de funcionamento particulares,
sem que se crie novos órgãos na estrutura administrativa (BANDEIRA DE MELLO,
2008). Claramente, esse recorte conceitual utiliza elementos do ponto de vista
jurídico. Em outras palavras, equivale a dizer que a descentralização consiste
na criação de uma nova pessoa jurídica para cuidar de uma função específica da
administração pública. Por outro lado, para a Ciência Política, descentralizar
é repassar atribuições de um órgão diretivo central a órgãos locais,
considerando-se que, para tanto, necessariamente ocorre transferência de poder
político, administrativo e/ou fiscal do poder central para os governos
subnacionais (GSN) (SOUZA, 1998; 2001b; ABRUCIO, 2005). Não bastasse essa
diferenciação quanto ao conceito de descentralização, existe outro conceito
relevante que contribui para a complexidade dessa questão, qual seja, o de
"desconcentração". Note-se bem que enquanto o primeiro supõe
autonomia, o segundo declara submissão.
A desconcentração, do ponto de vista jurídico,
mantém uma hierarquização entre órgãos centrais e locais, ou seja, a função é
atribuída a um órgão cuja responsabilidade é da pessoa jurídica ao qual aquele
se submete na hierarquia da administração pública (BANDEIRA DE MELLO, 2008).
Percebe-se, portanto, que a concepção da Ciência Política contempla tanto o que
o Direito chama de descentralização quanto de desconcentração, em uma mesma
perspectiva.
Independentemente de qual interpretação seja
adotada, parece incontestável que, em princípio, tanto a descentralização
quanto a desconcentração constituem-se como recursos utilizados na tentativa de
democratizar-se um regime político, possibilitando a existência de uma maior
participação popular e valorização das localidades. O que as diferencia
sobremaneira é a capacidade de autonomia, e o que as une é a oposição à
centralização. Veremos, contudo, que essa é apenas uma das perspectivas
possíveis, embora não seja nada nova. Considerando-se a relação dialética dos
fenômenos sociais, pode-se afirmar que tanto os fenômenos
"centralizadores" quanto os "descentralizadores" podem
implicar o interesse pela concentração de poder direta ou indiretamente, ainda
quando alcançado por meio da concessão de autoridade e tomada de decisão sobre
assuntos de interesse da população. Paradoxalmente, em um período democrático,
pode-se utilizar os mecanismos de centralização para concentrar a tomada de
decisão e os de descentralização para aumentar a ramificação do poder e
angariar apoio em outros níveis políticos. Tendo em vista este cenário,
precisamos nomear os prós e contras do então inevitável movimento
de descentralização.
Atribuir mais responsabilidade ao município
autonomiza-o quanto à "boa vontade" de seus apoiadores em outras
esferas, como deputados, senadores, governadores e até mesmo o Presidente da
República, mas legitima e autoriza, no momento em que também viabiliza, sua
atuação em novas áreas que antes não constavam no rol de atribuições dos
administradores municipais. Não implica dizer que os favores políticos e a
necessidade de representação em outras esferas cessem de existir, mas os
arranjos e pactos construídos deixam de ter um caráter de subordinação e
dependência extremada de empenho particular de administradores locais para com
outros níveis da federação. Em outras palavras, entende-se que o movimento de
municipalização aproxima-se consideravelmente também da descentralização, em
termos jurídicos. A descentralização permitiu também uma proximidade do
eleitorado com o poder Executivo municipal, na medida em que garantiu àquele
mecanismos de participação e fiscalização efetivos. Diga-se de passagem, muitos
autores elegem essa como a principal e mais importante característica do
fenômeno da descentralização (cf. LORDELLO DE MELLO, 2004). Mesmo assim,
Lubambo (2006) ressalta que existem alguns fatores específicos que determinam a
aprovação popular da gestão pública, os quais sofreram grande influência do
processo de descentralização e podem desencadear efeitos maléficos para a
administração pública, na medida em que esta, em função da abertura à
participação, veja-se obrigada a cumprir interesses de determinados grupos ou
pessoas que se utilizam da manipulação e convencimento dos cidadãos para
torná-los ignorantes acerca do que é o interesse público. Expõe também o debate
entre aqueles que entendem o governo local como propulsor e representativo da
democracia e aqueles que acreditam ser este o contexto propício para o
desenvolvimento de maneiras clientelistas e ineficientes de administração
pública. Essas características resumem de modo claro o debate instaurado em
torno desta problemática.
Em sintonia com as menções anteriores, Sarmento
(2005) lembra que a ênfase na descentralização levou à política de
municipalização na década de 1990, que atingiu diversos setores, inclusive a
educação. Esse processo estava ligado à redemocratização do país, à ampliação
da participação popular e do poder local. Novamente, instala-se o paradoxo
entre os efeitos possíveis da descentralização. Embora o autor não cite, por
exemplo, que juntamente com a municipalização do ensino, que retirou dos estados
vultuosas responsabilidades financeiras e administrativas sobre inúmeros
estabelecimentos de ensino, ocorreu uma "partidarização" dos
representantes concorrentes aos cargos de diretores escolares com participação
direta dos políticos locais, no sentido de garantirem a seus aliados a ocupação
destes postos. Desta forma, nota-se uma politização com participação às
avessas. Talvez por razões semelhantes, Souza (2002) argumenta que a
participação é vista como resultado da descentralização, mas que esse fenômeno
não é tão simples e automático como se imagina, podendo configurar-se
principalmente de duas formas, quais sejam, o empowerment ("empoderamento")
e o "poder de voz" (liberdade para atuar nas esferas decisórias),
sendo a última insistentemente adotada no Brasil, tendo materializado-se na
forma dos Conselhos como requisitos de políticas públicas e ampliação do poder
de escolha e veto. Contudo, não implica dizer que, em face da descentralização,
os indivíduos necessariamente tornar-se-ão beneficiados pelo
"empoderamento" e a efetiva participação em instâncias decisórias, ou
mesmo que irá ser ampliada a participação de um modo geral - ainda que a
descentralização promova o aumento da participação. Ao falar sobre os Conselhos
Municipais, Souza argumenta: "A constituição desses conselhos decorre, em
geral, de exigências da legislação federal. O papel dos conselheiros é tomar
parte na gestão do programa, ou seja, fiscalizar a implementação de políticas
decididas em outras esferas, alocar parcela dos recursos e acompanhar sua
aplicação e os rumos da política pública. Para cada política social, é
requerida a constituição de um conselho, em que os representantes da
comunidade/usuários têm assento" (SOUZA, 2004, p. 38).
Nesse caso específico trata-se de uma previsão
legal que garante o aumento da participação da população na tomada de decisão e
fiscalização do emprego dos recursos públicos, mas não necessariamente é
garantia de uma participação efetiva pautada no "empoderamento" e no
"poder de voz". O dilema entre a previsão legal e a concretização da
prática está presente em vários fenômenos e fatos citados anteriormente. Lógico
que os Conselhos aos quais a autora refere-se ainda não foram devidamente
estudados em seus processos e conseqüências, além de poderem resultar apenas de
uma obrigação formal instituída pelas políticas públicas e serem acometidos por
casos de corrupção e denúncias de submissão ao poder Executivo local, não
alcançando, assim, os objetivos para os quais foram constituídos (SOUZA, 2002).
Desse modo, mesmo que a Constituição de 1988 tenha instituído uma nova forma de
fiscalização da administração pública local, por meio dos Conselhos Municipais,
condicionando-se cada programa de repasse de verbas federais para municípios à
existência de um respectivo Conselho (por exemplo, Conselho de Merenda Escolar,
Saúde, Educação e Bolsa Família), a Controladoria Geral da União (CGU) tem
questionado a eficiência de tais mecanismos. Os motivos apontados vão desde o
fato de os indivíduos que ocupam cargos comissionados dentro das Prefeituras
Municipais (PMs) participarem e até mesmo presidirem tais colegiados, até a
baixa participação e representatividade dos usuários do serviço e de técnicos
da área3.
Em suma, tomando-se a questão apenas como
ilustrativa de um tema maior, a bibliografia que trata do assunto prevê dois
pontos positivos para além da descentralização pura e simples: primeiro tem-se
a questão da flexibilidade, que permitiria um melhor desempenho dos projetos
locais por possibilitar que sua formulação fosse realizada de acordo com a
realidade e características locais; segundo, a necessidade de criação de
maneiras garantidoras e promotoras da participação popular, aqui entendida como
composta por "[...] organizações sociais, formais e informais, que
constitui o 'tecido associativo' empiricamente existente em um dado
contexto" (SILVA, 2006, p. 156). Silva argumenta que existem muitos resultados
possíveis para a relação entre a sociedade civil e a consolidação da
democracia. Bastante ilustrativo desta afirmação é o exemplo inusitado que o
autor fornece. Segundo ele, nos municípios de Gravataí e Sapucaia do Sul (RS),
de 1997 a 2000, a sociedade civil organizou-se para impedir a democratização
das respectivas gestões públicas municipais. Mesmo diante dessa realidade, ele
considera que a participação social pode romper com as relações hierárquicas e
clientelistas (idem).
Mas existem perspectivas não unidimensionais sobre
esse assunto. É o caso de Coraggio, como podemos observar com a citação a
seguir: "Por el lado político-administrativo, el proceso de reforma del
estados que acompaña la reestructuración del mercado impulsa una transferencia
de poder desde las instancias nacionales de gobierno, al menos formalmente
democráticas, hacia, por un lado, instancias publicas de menor rango
(Províncias, Municípios, comarcas) - las que para algunos son el mundo del
clientelismo, el caciquismo y el sojuzgamiento personal, para otros el mundo de
una democracia participativa posible - y, por el outro, hacia instancias
supranacionales sin fundamento democrático ni responsabilidad ante los pueblos
(accountability), como las tecnocracias de las asociaciones de comercio en
bloques regionales o los organismos internacionales de financiamento o
regulación del comercio. Finalmente, hay uma transferencia de funciones
publicas, por un lado hacia grandes empresas financieras, productivas,
comerciales o mediáticas de âmbito nacional y global, por el outro hacia la
'sociedad civil' y de la variedad de organizaciones no gubernamentales,
asociaciones voluntárias, etc. que la integran (incluso esta esfera registra la
creciente actividad) de organizaciones no gubernamentales y movimientos de
orden global" (CORAGGIO, 2001, p. 253).
Conclui-se, então, que a descentralização também
pode produzir um resultado oposto do inicialmente pretendido, restando
verificar qual é seu significado para o público diretamente atingido e em
sentido mais amplo. Sobre esse assunto é importante problematizar não só a
efetividade da participação e seus resultados, como também a própria relação
entre (re)democratização e a ação da sociedade civil organizada. Neste
contexto, existem vários elementos que são produtos diretos da descentralização
administrativa, presente da década de 1970 em diante, tais como: orçamento
participativo, conselhos setoriais, planejamento estratégico, fóruns,
conferências e audiências públicas, os quais acabaram por contribuir, ao menos
em tese, para a prática democrática.
Neste sentido, na medida em que vários organismos
de financiamento já recomendavam o incentivo à participação popular em questões
relativas a governos locais e para facilitar a implementação de políticas
públicas, pouco tempo depois, na década de 1990, já haviam se
institucionalizado programas de acompanhamento de políticas públicas e
orçamentos participativos (OP) no Brasil, independentemente de resultarem de
iniciativa dos administradores locais ou de constituírem uma exigência legal
(LIMA & MOURA, 2005). Não obstante, vários problemas são apontados mesmo
por esses autores que entendem haver uma correlação direta entre
descentralização e democratização, podendo trazer à baila a própria questão da
eficácia. "Não se desconhece, por outro lado, que a ênfase no poder local
tem contribuído para justificar políticas neoliberais de desoneração do Estado
central e para manter as práticas clientelistas, ainda muito presentes na
cultura brasileira. Todavia, procura-se analisar como as experiências de
participação e autonomia podem contribuir para ampliar a democratização e as
soluções dos problemas sociais. Na área da educação e da saúde há um
reconhecimento da necessidade de políticas integradas ao governo central"
(SARMEN-TO, 2005, p. 1380)
Souza (2004) argumenta que municipalizar é
transformar os municípios em provedores de serviços, o que ocasiona um sistema
de governança local, ao mesmo tempo em que inaugura uma nova
institucionalidade. Para essa visão, a descentralização é basicamente uma
questão política. O fato de o município acumular competências concorrentes
ou comuns com os demais entes da federação diz muito acerca de como a
relação intergovernamental deve constituir-se para alcançar um mínimo de
eficiência4. A autora entende que, diante da diversidade
de características próprias aos municípios brasileiros, tem-se uma grande
dificuldade em estabelecer um perfil tipológico sobre a gestão local e a
implementação de políticas públicas. Mas, apesar disso, acredita que a
descentralização é condicionada mais pelo desenho institucional da política
(incluindo "fatores de ordem gerencial"), do que por renda ou
imposições constitucionais. Por exemplo, o estímulo à adesão por meio da
distribuição de sanções e recompensas, como é o caso das políticas públicas de
saúde e educação.
Voltando à questão dos significados da
descentralização, de acordo com Souza (idem), não basta transferir a
responsabilidade pela implementação, sendo necessário aproveitar a
descentralização para envolver a população local, dando-lhe "poder de
voz", "empoderamento" e "accountability".
Torres e Marques (2004, p. 31) também argumentam que os mecanismos de
participação geram accountability, que pode ajudar, por exemplo, a
solucionar o clientelismo nos processos de seleção de beneficiários dos
programas de distribuição de renda. Agem, portanto, diante da constatação de
que as PM(s) estão mais próximas da população, mas também são mais vulneráveis
a fraudes. Esta é uma constatação da CGU, publicada no Jornal do Senado (PARA
CONTROLADORIA, 2006), de acordo com a qual 2/3 dos municípios brasileiros
sofrem com a má gestão. Esse diagnóstico não se restringe apenas ao
"desvio de finalidade no emprego do dinheiro público", mas,
principalmente às licitações e execução de obras. Por outro lado, a
Confederação Nacional dos Municípios (CNM) argumenta que nem sempre o desvio de
aplicação da verba quanto à finalidade constitui "desvio de dinheiro"
ou ineficiência, podendo até mesmo demonstrar a busca da eficiência da gestão.
Esses são apenas alguns exemplos, mas não constituem o âmago da problemática
posta neste artigo.
Em outra obra, Souza (2001a) entende que, como a
redemocratização e a descentralização caminharam juntas no Brasil, esta última
pode favorecer a participação e o acesso aos centros de decisão, mas nem sempre
é compatível com determinados tipos de políticas públicas, como as sociais, por
exemplo. Presenciamos, portanto, uma agenda de construção e reconstrução de
instituições democráticas, buscando participação e transparência, intimamente
relacionadas à descentralização política e financeira dos GSN. Uma indicação
importante é que a participação e a democratização da tomada de decisão
presentes em algumas políticas públicas, ainda que não ocorra a continuidade
destas últimas, lega ao público-alvo e aos próprios administradores uma
referência de prática associativa e de representação de interesses, os quais
possuem vínculo causal imediato com outros projetos que contenham as mesmas
características. É o caso, por exemplo, da herança que o orçamento
participativo deixou para a população de Belo Horizonte e Porto Alegre5. Tomando-se o suposto de que uma política
pública derivada do movimento de descentralização e caracteristicamente fundada
na participação popular facilita a implantação de outros projetos que possuam
um caráter semelhante, é importante notar que este é apenas um dos fatores que
condicionam o aumento do número de iniciativas nesse sentido. Outro fator que
contribuiu para essa prática foi o aumento das receitas municipais, o que
permitiu a expansão de políticas fundadas em mecanismos de participação
popular. E um terceiro fator seria o crescimento da representatividade dos
partidos de esquerda em administrações públicas, que comumente defendiam a
participação como um compromisso eleitoral. Nesse sentido, participar não é
apenas influenciar as decisões, como pensam os organismos multilaterais, mas
também efetivamente decidir.
Todos os argumentos apresentados neste tópico como
resultado da leitura de estudiosos do tema são corroborados por este artigo,
mesmo os aparentemente contraditórios. A descentralização não é apenas repasse
de poder do centro para o GSN; envolve também vários elementos complexos que
atingem, inclusive, as políticas públicas. Descentralizar também não implica
necessariamente um aumento da participação popular e do "capital
social", podendo incorrer em aumento do "coronelismo",
requerendo, para impedir tal fato, um maior controle e normatização por parte
dos organismos centrais6, além de uma efetiva promoção da participação
para a obtenção de práticas de accountability.
Dentre os defensores da descentralização destaca-se
Tavares Bastos, que já em 1870 alertava para a necessidade de adotar-se um
regime federativo para que o Brasil alcançasse a descentralização. Em
decorrência, ele previa que os recursos chegariam às localidades, passando
antes pela gestão das províncias. Sem tais mudanças o autor acreditava ser
difícil que o país alcançasse um nível de desenvolvimento econômico e social
adequados. Esse pensamento também foi expresso por Lordello de Mello, um século
mais tarde, e, contemporaneamente, Souza (2001b) coaduna com a interpretação acerca
das implicações desses diagnósticos, mas ressalta que o federalismo também pode
ser centralizado, sendo a descentralização apenas uma característica, como
vimos anteriormente. A dissociação conceitual entre federalismo e
descentralização inicia-se a partir desse pressuposto, ao qual mais tarde
retornaremos.
Segundo Lordello de Mello (2004), um dos maiores
entraves ao desenvolvimento brasileiro encontrava-se à sua época na ausência de
uma definição para o papel do município na estrutura administrativa brasileira.
Isso se refletia tanto no acúmulo de todas as funções relativas à esfera
pública, na coincidência de responsabilidades (fazendo que acontecesse uma
concorrência entre municípios e estados), e em um desarranjo quanto à
exploração devida das fontes de receita. Além da crítica referente às funções
acumuladas pelos municípios brasileiros, esse autor também ressalta as
implicações da falta de qualificação técnica do funcionalismo público e de
assessoria técnica interna à administração pública7. De acordo com ele, para fazer frente a tais
problemas caberia um esforço no sentido de promover a descentralização, não só
jurídico-administrativa, como também no que tange ao papel dos municípios, isto
é, alcançar a autonomia política; mesmo diante da constatação de que os
municípios brasileiros desfrutam de uma autonomia considerável no que diz
respeito à elaboração de leis, controle do orçamento municipal, arrecadação de
impostos e tributação. Para viabilizar essa necessidade, caberia à União
estabelecer o papel do município, suas competências e as formas de prestação de
contas correspondentes, ao mesmo tempo em que modificaria nosso ordenamento
jurídico para conferi-lo o status de ente da federação e sua autonomia.
III. TIPOS DE DESCENTRALIZAÇÃO
Tratamos do conceito e de alguns de seus notáveis
defensores, restando agora apontar os tipos mais comuns de descentralização.
Rodden (2005) afirma que, embora a literatura trate a descentralização como uma
transferência de autoridade do centro para os governos subnacionais, este
conceito é mais complexo do que a teoria foi capaz de vislumbrar. Para ele, a
descentralização não possui um formato único, ainda que considerada um fenômeno
mundial, e pode ser de três tipos não excludentes: fiscal, política e
de políticas. Para o autor, ao contrário do que a teoria clássica diz,
descentralização não implica necessariamente autonomia, no sentido de
independência para os governos subnacionais, no que tange à gestão fiscal, à
política e à gestão de políticas. Ele incorpora, então, um argumento novo ao
dissociar descentralização de "autonomia local". A crítica de Rodden
centra-se no argumento de que os autores que tratam desse assunto,
especificamente a descentralização fiscal, concentram-se na distribuição
das receitas e despesas entre os entes da federação, negligenciando outras
questões. Adverte, ainda, que não importa apenas a quantidade de receita e
concentração, mas também a "estrutura regulatória das finanças
subnacionais"; em outras palavras, é importante considerar a fonte da
receita que sustenta os gastos descentralizados. Comparativamente, o grau de
descentralização varia em função dos instrumentos utilizados para medir a
autonomia frente questões específicas: 1) a capacidade fiscal é condicionada
tanto pela receita própria, pelas transferências, quanto pela possibilidade de
endividamento público, o que pode incorrer em autonomia subnacional ou na sua
negação. Em linhas gerais, seu argumento é que os dados empíricos não
demonstram uma transferência de poder, mas sim uma prevalência de autoridade
compartilhada; 2) quanto à descentralização política, poder-se-ia
verificá-la por meio das formas como as eleições regionais e locais ocorrem.
Por exemplo, o voto popular caracteriza um processo descentralizado.
Contrariando essa postura, outros autores ignoram a
existência de diversos tipos de descentralização, ou, ao menos, não se colocam
o mesmo problema. É o caso de Almeida (2005), por exemplo. Contudo, parece
muito mais plausível falar em tipos distintos de descentralização conforme a
área sobre a qual ela incide. Utilizando essa diferenciação em um sentido
avançado, Falleti (2006) afirma que a ordem de implantação das reformas
descentralizadoras interfere no resultado final das mesmas. Os resultados
obtidos "dependem da seqüência em que diferentes tipos de reformas
políticas descentralizadoras (administrativa, fiscal e política) acontecem"
(idem, p. 47), o que constitui a teoria seqüencial da
descentralização, que valoriza questões de contexto e de médio prazo,
pautando-se em três premissas: 1) a descentralização não é um processo
unidimensional de políticas públicas, mas tridimensional; 2) é necessário
considerar os "interesses territoriais" dos políticos; 3) deve-se
considerar as conseqüências de uma seqüência de projetos descentralizadores
para a relação entre os governos. O processo é tridimensional porque se compõe
das reformas fiscal (quanto à arrecadação e alocação), administrativa
(quanto à administração dos serviços sociais, por exemplo, autoridade para
formular políticas) e política (quanto à forma de indicação para cargos
eletivos e representação territorial dos interesses).
Em suma, a teoria seqüencial entende que a
descentralização é "um processo de reformas das políticas estatais" (idem,
p. 60), que leva em consideração os interesses territoriais de políticos
nacionais e subnacionais e a seqüência das políticas descentralizadoras (administrativa,
fiscal e política). Para a autora, como a descentralização buscou reformar o
estado pós-desenvolvimentista, dando origem a "um estado orientado para o
mercado (ou neoliberal)" (ibidem), seu fundamento não pode ser
dissociado desse contexto. Sendo assim, a descentralização administrativa transfere
a administração dos serviços sociais, podendo ser ou não autofinanciada. A
descentralização fiscal estabelece políticas para ampliar as receitas
dos GSN e, com isso, aumentar sua capacidade fiscal. No caso brasileiro, a
descentralização fiscal pautou-se na transferência de recursos, mas ela
também pode ocorrer por meio da criação de impostos cobrados pelos GSN ou a
delegação a eles para a cobrança de impostos federais. A descentralização política
permite aos GSN o acesso aos centros de decisão, ao mesmo tempo em que
fornece à população mecanismos de representação e de atuação direta.
A teoria seqüencial da descentralização prevê que a
ordem das reformas condiciona o resultado total e o de cada reforma separadamente,
bem como afeta as relações intergovernamentais. A ordem interfere porque a
primeira reforma impõe constrangimentos e incentivos às demais, podendo ou não
criar "mecanismos de auto-reforço" entre os estágios do processo.
Isso depende de quais interesses prevalecem: 1) se forem os interesses
nacionais, a seqüência lógica seria descentralização administrativa, fiscal e
política; 2) se os interesses subnacionais, a seqüência seria descentralização
política, fiscal e administrativa8.
A relação entre a descentralização e os tipos de
estados não pode ser negligenciada, bem como os tipos de regime e de governo
que ela engendra ou condiciona. Entretanto, tal discussão não cabe no recorte
exíguo que sustenta este trabalho. Principalmente, em razão do espaço
disponível.
IV. FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO
Assentado o conceito de descentralização, deve-se
correlacioná-lo ao modelo federalista. Em linhas gerais, o federalismo
"não é uma distribuição particular de autoridade entre governos, mas sim
um processo - estruturado por um conjunto de instituições - por meio do qual a
autoridade é distribuída e redistribuída" (RODDEN, 2006, p. 17), sendo tal
processo legitimado por uma espécie de "contrato federal", comumente
chamado por nós de "pacto federativo", responsável por determinar as
"regras do jogo" para a relação entre a União e os governos
subnacionais. O federalismo tem por base "a representação dos estados na
elaboração de políticas do governo central", atuando como veto players,
e, para tanto, estabelece-se uma relação intergovernamental bastante complexa.
Desse modo, federalismo não equivale à divisão de
tarefas, nem tampouco significa ausência de governo central em assuntos
não-nacionais. Fundamentalmente também não implica ausência de intervenção,
visto que, ao cederem a sua soberania para a construção de um estado maior e
mais forte, cada estado-federado submete-se às vontades da nova entidade
criada. O que ocorre é uma relação de interdependência, na qual a União assume
a dependência para com os governos subnacionais na medida em que precisa dos
estados para implementar suas ações, inclusive normativas, já que estes
funcionam como veto players. Por outro lado, os GSN dependem da União
como gestora e agregadora. Assim, a descentralização, ao contrário do que
comumente se afirma, pode aumentar a corrupção por dificultar a prestação de
contas, ao criar "camadas de governo" que interpõem uma
"responsabilidade compartilhada". Além disso, a "superposição de
autoridade" ou a "autoridade regulatória" não seriam compatíveis
com a descentralização de fato, embora ocorra recorrentemente em projetos dessa
natureza.
Souza (2003b, p. 142) lembra também que federalismo
e descentralização são coisas distintas, sendo que o primeiro pauta-se,
basicamente, em dois pilares: "desenho constitucional e partilha do poder
territorial". Em outra obra, Souza (1998) reitera o fato de que, no caso brasileiro,
a Constituição de 1988 promoveu tanto uma descentralização dos recursos quanto
uma descentralização política. Relacionando esses conceitos ao de
federalismo, a autora conclui que os primeiros são parte da discussão relativa
ao último. Mas, sobretudo, adverte que o federalismo não precisa da
descentralização e tampouco depende dela, podendo existir em outra
circunstância. Não obstante, não se ignora o fato de que, ao juntarmos
federalismo e descentralização, tem-se um sistema institucional bastante
distinto. Sendo assim, em cada país o federalismo consolida-se por meio de
arranjos diferentes, mas fundamentalmente, para a autora, o federalismo é uma
ideologia ou, melhor dizendo, "[...] uma forma de acomodação das demandas
de elites com objetivos conflitantes, bem como um meio para amortecer as
enormes disparidades regionais" (idem, p. 3). Desse modo, o
federalismo trata a questão da desigualdade entre as regiões, quando fornece
maior representatividade política às regiões mais pobres, como o Nordeste, por
exemplo, ou com o sistema de arrecadação e distribuição de receitas determinado
em função das diferenças quanto à receita própria.
No caso brasileiro, tanto a descentralização quanto
o federalismo conseguiram acomodar as diferenças regionais (ibidem).
Mas, de acordo com Souza (2001b), na promoção da descentralização no Brasil não
houve a preocupação com a formulação e implementação de políticas públicas,
preocupando-se apenas em atender às demandas locais. Simultaneamente, houve a
diminuição dos recursos fiscais federais, mas no momento seguinte à
consolidação da descentralização o governo recentralizou os recursos fiscais em
nome da política macroeconômica. É uma questão interessante, recuperada pela
autora em Souza (2003b), ao demonstrar que os municípios foram compatíveis com
o projeto de descentralização, mas as regiões metropolitanas (RMs) não o foram
porque resultaram da Lei Complementar n. 14/73, produto do período militar.
Para Souza (2003a) a federação é marcada pelas
desigualdades regionais e pelas disputas por recursos federais. Essas tensões
são reguladas por normas formais e informais. Mesmo com a descentralização dos
recursos federais, a partir da Constituição de 1988, os GSN permaneceram
pressionando o governo para que pudessem obter recursos, principalmente por
meio das emendas ao orçamento federal. Reafirma, portanto, a noção de que
coexistem, para a Comissão de Orçamento, que é o caso estudado por ela,
"regras distributivas formais (constitucionais) e informais (negociadas
caso a caso)" (SOUZA, 2003a). As regras informais buscariam sanar a
dificuldade em alcançar-se a equalização fiscal com as regras formais, sendo
que as emendas ao orçamento refletem o resultado das disputas informais, entre
regiões desiguais, por recursos da União.
A descentralização fiscal fornece, então, os
recursos, podendo garantir reserva legal para os seus gastos, estabelecendo
regras constitucionais que determinem a adesão às políticas públicas formuladas
pelo governo federal. Sabe-se, contudo, que interfere nesse processo o legado
das políticas prévias, os custos financeiros e políticos, o desenho do programa
de municipalização, os atributos institucionais da política, entre outros. Para
Arretche (1999), a atuação dos níveis mais abrangentes de governo (União e
estados) sobre os municípios, estimulando a adesão aos programas de
descentralização, é mais importante do que características como porte da renda per
capita ou do Produto Interno Bruto (PIB), tamanho do município, índice de
participação política e taxa de associativismo. O estado interfere
principalmente fornecendo capacitação municipal e utilizando sua burocracia
para agir favoravelmente a esse processo. Neste sentido, a "ação do
Executivo estadual" no processo de municipalização das políticas públicas
é tanto uma variável dependente como independente para avaliar a adesão e os
incentivos frente às estratégias de indução. Essas estratégias devem conter
disposição e meios para implementar as políticas públicas, isto é, recursos
financeiros, políticos e administrativos.
Complementando essa visão, Souza (2002) demonstra
que os municípios não alcançaram autonomia financeira, visto que ainda dependem
de transferências de recursos, e a política de controle fiscal cerceia esse
acesso. Alguns municípios são incapazes de arrecadar recursos próprios, tanto
pela inexistência de atividade financeira quanto pela pobreza9. Por essa razão, é importante atentar para as
relações intergovernamentais. Segundo a autora, o conceito de descentralização
é vago e confuso, acentuando o fato de que a literatura da área costuma ignorar
os governos intermediários, como os estados. Em todo caso, talvez o dado mais
relevante sobre as conseqüências da descentralização é que ela auxilia na
formação de capital social, como já mencionado anteriormente. Contudo, os
resultados da descentralização são altamente diferenciados, devido à
"natureza" da mesma, sendo que as políticas públicas são influenciadas
não apenas pelo conteúdo, abrangência e aspectos estruturais como também pelo
processo "de recepção" das mesmas, largamente determinado pelas
características locais. A visão de Souza (idem) oferece um contraponto
aos estudos que consideram a política pública ensimesmada, ignorando as
externalidades que constroem e modificam suas estruturas.
Frente ao dilema das relações intergovernamentais e
da autonomia relativa às subunidades, Abrucio (2005) também ressalta a
importância da coordenação intergovernamental, a qual diz respeito às
formas de integração, compartilhamento e decisão entre os entes da federação.
De acordo com o autor, o Brasil enfrenta dilemas de coordenação
intergovernamental, determinados por "especificidades históricas",
"coalizões sociais" e "arranjos institucionais". Essa
interpretação pauta-se na premissa de que o federalismo dá conta de uma
situação de heterogeneidades e, por isso, visa manter a unidade territorial,
mesmo diante da diversidade. Como resultado, tem-se um pacto federativo, que
implica tanto em autonomia e poder quanto em interdependência. Por isso, para
Abrucio, a descentralização constitui-se em um mecanismo importante para
impedir a concentração de poder. A interdependência entre unidades políticas
autônomas gera "processos decisórios compartilhados" (idem),
sendo assim, para obter-se uma coordenação federativa dever-se-ia combinar competição
e cooperação. Contribui, portanto, para a criação do que ele denominou
"redes federativas", nas quais os entes da federação participariam
dos processos decisórios, contrapondo-se ao "federalismo
estadualista" ou "modelo unionista autoritário". O
"federalismo estadualista e predatório" resultaria do fortalecimento
dos governos estaduais, tanto política quanto financeiramente, acrescido da
competição não cooperativa entre os estados e deles com o governo federal,
tendo como exemplos marcantes a guerra fiscal e o elevado endividamento
público. Outro exemplo é o que ele denomina de "prefeiturização" ou
"municipalismo autárquico", correspondente à crença de que os
governos locais conseguem resolver sozinhos seus problemas de ação coletiva,
negligenciando-se a importância da cooperação e da formação de consórcios, para
tanto10.
O chamado federalismo estadualista enfraqueceu
com o pacote de medidas atrelado ao Plano Real, ao qual Abrucio (2005) denomina
a "Era do Real", principalmente devido aos planos de ajuste fiscal e
estabilização monetária. Além do mais, o Plano Real, ao elevar as taxas de
juros, aumentou as dívidas dos estados, fazendo que os bancos estaduais
entrassem em crise. O autor credita a responsabilidade da crise, no entanto,
aos governadores que mantinham um gasto excessivo com pessoal e previdência
pública. De todo modo, a coordenação estabelecida nos governos Fernando
Henrique Cardoso (FHC) impedia que seus mecanismos fortalecessem os estados,
sendo eles: estabilização monetária; reformulação do estado e modernização da
estrutura fazendária (controle do deficit público e metas fiscais);
repasse de recursos condicionados à participação e fiscalização do governo
local, por meio dos conselhos de políticas públicas; aprovação de leis ou
emendas constitucionais para coordenar as relações intergovernamentais;
coordenação nacional de políticas sociais; criação de políticas (de geração) de
renda sob a responsabilidade do governo federal; criação de instrumentos de
avaliação das políticas descentralizadas. A Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF) é um exemplo de mecanismo de coordenação federativa, pois, entre outras
coisas, instituiu mecanismos de restrição orçamentária11. Mas esse tipo de coordenação também depende
diretamente da capacidade de que dispõe a burocracia federal, tanto para
fiscalizar quanto para qualificar as burocracias subnacionais12.
V. HISTÓRICO DA DESCENTRALIZAÇÃO E DA
MUNICIPALIZAÇÃO
Se pudéssemos traçar um histórico da
descentralização concretizada na criação de municípios e na municipalização,
veremos Lordello de Mello apontando que apenas em 1938 observou-se o início da
modernização da administração pública brasileira, com a criação do Departamento
Administrativo do Serviço Público (DASP)13 e, com isso, o estreitamento das relações
entre o município e a União. A descentralização administrativa,
propriamente dita, só foi implantada, no entanto, com a Constituição de 1988,
após um período de ditadura no qual a centralização política, fiscal e
administrativa foram fortemente reforçadas. As reformas fiscais permitiram uma
redistribuição da receita federal para os estados e municípios, o aumento da
sua participação e conseqüente responsabilidade com relação às políticas
públicas em todos os setores, principalmente com aquelas ligadas ao
desenvolvimento local e à geração de renda. É crucial assinalar que, pela
primeira vez na história da Constituição Brasileira, o município é considerado
"ente federativo", embora alguns autores, como Castro (2006, 27),
discordem parcialmente dessa afirmação. Frente ao movimento de
descentralização, cabe lembrar, no entanto, que nas décadas de 1970 e 199014 o governo federal buscou conter a criação de
municípios por inúmeras razões, mas principalmente devido aos gastos com
transferências governamentais que daí decorreriam. O governo de FHC, por
exemplo, encaminhou a PEC nº 297/95, mas esta foi arquivada.
Almeida (2005) questiona se presenciamos uma
recentralização depois do ocorrido na década de 1980, ao argumentar que a luta
pela descentralização foi normativa, como resposta "aos 20 anos de
autoritarismo burocrático" que a antecedeu. De acordo com a autora, com o
movimento de descentralização imaginava-se "[...] que o fortalecimento das
instâncias subnacionais, em influenciar os municípios, permitiria aos cidadãos
influenciar as decisões e exercer controle sobre os governos locais, reduzindo
a burocracia excessiva, o clientelismo e a corrupção" (ALMEIDA, 2005, p.
29). O apelo pela descentralização foi acolhido mesmo diante da ausência de
evidências empíricas, como afirmou Souza (2003b). Mas esse "consenso pela
descentralização" sofreu pressões contrárias que, aparentemente,
sobrevivem ainda hoje. Embora Almeida (2005) adote o conceito de
descentralização firmado pelo Banco Mundial, de acordo com o qual este é apenas
a "transferência de autoridade e responsabilidade quanto às funções
públicas", ao desenvolver seu argumento afirma a existência de uma
complexidade para além dessa definição. Admite, portanto, a premissa de que o
federalismo pode ser centralizado ou cooperativo. Segundo a
autora, enquanto os Estados Unidos (EUA) vivem um federalismo dual, o
Brasil estaria vivendo um regime fiscal dual, pois, como demonstrado por
outros autores, a Constituição Federal de 1988 aumentou as transferências da
União para os GSN e, ao mesmo tempo, liberou a compensação dos recursos fiscais
"perdidos", por meio da arrecadação das contribuições sociais,
supostamente com o objetivo de financiar as políticas sociais. Contudo, Almeida
considera que a criação de receitas não compartilhadas com os GSN não implica
necessariamente um movimento de centralização; tal fato ocorreu quando o Plano
Real foi constrangido pela ausência de austeridade fiscal de estados e
municípios, o que gerou, por sua vez, forte endividamento público, acusado de
ser produto direto da descentralização. Desse modo, o discurso
pró-centralização presente no período de transição do autoritarismo para a
democracia perdeu efeito frente ao discurso da primazia do ajuste fiscal para a
estabilização monetária. Esse ambiente político levou a novas rodadas de
negociação das dívidas dos estados15, privatização dos bancos estaduais e à
aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal16. Em 1998 programas sociais de transferência
de renda foram criados e centralizados pelo governo federal, isto é, "as
novas iniciativas dirigidas aos segmentos mergulhados na pobreza extrema
re-introduziram a centralização da decisão, recursos e implementação na esfera
federal" (idem, p. 38).
Ainda atrelado à discussão das relações
intergovernamentais, Arretche e Marques (2002) argumentam que a municipalização
é o processo no qual os municípios assumem a administração dos programas
sociais e dos centros de decisão, podendo também se responsabilizar pela
arrecadação de receita necessária, para tanto. Em outras palavras,
municipalização é a formulação e implementação de políticas públicas no plano
local, mais especificamente, no âmbito municipal. Os autores argumentam que
existe uma lógica inerente às políticas públicas locais, diferenciando-as das
demais. Não obstante, paralelo ao fenômeno da municipalização, assistimos ao
fortalecimento da autoridade regulatória, a qual é responsável por
"[...] planejar, avaliar, auditar, financiar, controlar e, principalmente,
punir o mau provedor de serviços" (ARRETCHE & MARQUES, 2002, p. 60)17. Por exemplo, no setor de saúde as Normas
Operacionais Básicas (NOBs) consolidaram as regras formais instituídas pelo
Ministério da Saúde para determinar o processo de habilitação dos municípios18 e houve também uma diferenciação no que tange
ao enquadramento dos municípios.
Como vimos, Arretche (1999) mantém uma visão mais
tradicional sobre o assunto ao entender a descentralização como transferência
de atribuições de gestão do centro, para os GSN. De acordo com a autora, o
Sistema Brasileiro de Proteção Social, que inclui educação fundamental,
assistência social, saúde, saneamento e habitação popular, sofreu os efeitos da
descentralização na década de 1990. Contudo, também para ela, a
descentralização não é um processo homogêneo e ocorre de maneira bastante
específica em função de cada contexto sócio-histórico. Um elemento novo trazido
pela autora diz respeito ao fato de que, a partir do processo de
descentralização, surge uma necessidade de que a União promova a adesão dos
governos locais à gestão de políticas públicas19. Desse modo, não só intervém a cultura local,
mas também o histórico com relação a outras políticas, o amparo constitucional,
os elementos operacionais das políticas públicas e a própria capacidade fiscal
e administrativa. Esses fatores possivelmente são superados pelas chamadas
"estratégias de indução". Para a autora, o Brasil antes da
redemocratização não se parecia com uma federação, mas com um estado unitário,
com centralização política, financeira e administrativa20. Todas as políticas do Sistema Brasileiro de
Proteção Social eram formuladas, financiadas e implementadas pelo governo
federal. Desse modo, embora a descentralização, em tese, beneficie diretamente
os GSN para que seja garantida a transferência de atribuições do centro
para eles, um conjunto de incentivos deve ser oferecido pelo governo central
para estimular a adesão das outras esferas de governo quando não ocorrer
obrigatoriedade constitucional para tanto e estiverem presentes as competências
comuns21. Esses incentivos fazem parte dos programas
de descentralização, podendo também antecedê-los, na forma de regulamentação.
VI. CONCLUSÕES
Os aspectos jurídicos e políticos da
descentralização podem ser observados no que tange às dificuldades de
implementação das reformas políticas, nas relações intergovernamentais, nos
diversos tipos de descentralização e nas ações regulatórias e fiscalizadoras,
que são destacadas neste texto com o intuito de demonstrar o grau de
complexidade do processo de descentralização, justificando-se a perspectiva de
obrigatório diálogo entre a produção intelectual do Direito e da Ciência
Política acerca desse objeto de análise comum. O presente artigo buscou
enfatizar que no Brasil pouco se problematizou a relação entre federalismo e descentralização,
ao mesmo tempo em que esta foi diretamente associada à autonomização política,
fiscal e administrativa dos municípios, inclusive quanto à elaboração, gestão e
implementação de políticas públicas.
O ponto de vista jurídico, principalmente o
encontrado no Direito Administrativo, preocupa-se em salientar em que medida a
descentralização produz efeitos jurídicos distintos daqueles encontrados em
função do processo de desconcentração. Portanto, não dá conta de
discutir e problematizar as relações de poder envoltas nesse processo e
tampouco se propõe a isso, visto que essa abordagem não é contemplada no escopo
da disciplina. Desse modo, cabe à Ciência Política e à Sociologia a função de
contrapor à estrutura regulamentária existente os fatos relatados, por si só
políticos, sociais e jurídicos, para que se possa discutir efetividade e
eficácia; sendo estas fatores fundamentais para o tema em pauta. Essa separação
não é problemática e não impede uma colaboração profícua entre as áreas
citadas, além de não ferir a autonomia e identidade inerentes a cada área
envolvida. Adotar como marco inicial a previsão legal e teórica, nas quais as
reformas pautam-se, não permite a discussão da efetividade, apenas relata o que
é possível dentro de uma estrutura dada. O dever ser precisa atentar
para a realidade concreta, ao mesmo tempo em que esta, para ser compreendida,
precisa considerar a operacionalidade e o cotidiano das organizações públicas.
A regulamentação é tanto objeto de estudo quanto fonte que auxilia a compreensão
de fenômenos diversos, já que a agência humana sofre restrições estruturais.
Nesse sentido, reclama-se o relativismo
e o relacionismo em análises dessa natureza, com o intuito de promover uma interpretação mais holística da realidade social e política.
e o relacionismo em análises dessa natureza, com o intuito de promover uma interpretação mais holística da realidade social e política.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRUCIO, F. L. 2005. A coordenação federativa do Brasil: a
experiência do período FHC e os desafios do governo Lula. Revista de
Sociologia e Política, Curitiba, n. 24, p. 41-67, jun. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n24/a05n24.pdf. Acesso 4.maio.2011.
ALMEIDA, M. H. T. 2005. Recentralizando a federação? Revista
Sociologia e Política, Curitiba, n. 24, p. 29-40, jun. Disponível em: http://www.scielo.br/
pdf/rsocp/n24/a04n24.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
ARRETCHE, M. 1999. Políticas sociais no Brasil:
descentralização em um estado federativo. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, São Paulo, v. 14, n. 40, p. 111-141, jun. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v14n40/1712.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
ARRETCHE, M. & MARQUES, E. 2002. Municipalização
da saúde no Brasil: diferenças regionais, poder do voto e estratégias de
governo. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, p.
455-479. Disponível em: http://www.scielosp.org/
pdf/csc/v7n3/13025.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
BANDEIRA DE MELLO, C. 2008. Curso de Direito Administrativo.
São Paulo: Malheiros.
CASTRO, J. N. 2006. Direito Municipal Positivo.
6ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey.
DIAS, M. 2002. Sob o signo da vontade popular: o
orçamento participativo e o dilema da Câmara Municipal de Porto Alegre. Rio de
Janeiro: IUPERJ.
FALLETI, T. 2006. Efeitos da descentralização nas relações
intergovernamentais: o Brasil em perspectiva comparada. Sociologias,
Porto Alegre, v. 8, n. 16, p. 46-85, jul.-dez. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/soc/n16/
a04n16.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
GARSON, S. & ARAÚJO, E. 2001. Federalismo
fiscal: ações sociais básicas - descentralização ou municipalização? Informe-se,
Brasília, n. 23, jan. Disponível em: http://www.ici.ufba.br/twiki/bin/viewfile/PROGESP/ItemAcervo293?rev=&filename=federalismo_fiscal.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
LIMA, J. C. & MOURA, M. C. 2005. Trabalho
atípico e capital social. Sociedade e Estado, Brasília, v. 20, n. 1, p.
103-133, jun.-abr. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/se/v20n1/v20n1a06.pdf . Acesso em: 4.maio.2011.
LORDELLO DE MELLO, D. 1971. O município na organização nacional:
bases para uma reforma do regime municipal brasileiro. Rio de Janeiro: IBAM.
_____. 2004. O município na organização nacional.
Rio de Janeiro: IBAM.
LUBAMBO, C. 2006. Desempenho da gestão pública: que
variáveis compõem a aprovação popular em pequenos municípios? Sociologias,
Porto Alegre, v. 8, n. 16, p. 86-125, jul.-dez. Disponível em: http://www.cepam.sp.gov.br/arquivos/artigos/
DesempenhodaGestaoPublica.pdf. Acesso em: 4.maio.201.
REZENDE, F. 2003. Modernização tributária e federalismo
fiscal. In: REZENDE, F. & OLIVEIRA, F. A. (orgs.). Descentralização
e federalismo fiscal no Brasil. Rio de Janeiro: Konrad.
REZENDE, F. & OLIVEIRA, F. A. (orgs.). 2003. Descentralização
e federalismo fiscal no Brasil. Rio de Janeiro: Konrad.
RODDEN, J. 2005. Federalismo e descentralização em
perspectiva comparada: sobre significados e medidas. Revista de Sociologia e
Política, Curitiba, n. 24, p. 9-27, jun. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n24/a03n24.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
SARMENTO, D. C. 2005. Criação dos sistemas municipais de
ensino. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 93, p. 1363-1390,
set.-dez. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v26n93/27285.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
SILVA, M. K. 2006. Sociedade civil e construção
democrática: do maniqueísmo essencialista à abordagem relacional. Sociologias,
Porto Alegre, v. 8, n. 16, p. 156-179, jul.-dez. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/soc/n16/a07n16.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
SOUZA, C. 1998. Intermediação de interesses regionais no
Brasil: o impacto do federalismo e da descentralização. Dados, Rio de
Janeiro, v. 41, n. 3. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011-52581998000300003&script=sci_arttext. Acesso em: 4.maio.2011.
_____. 2001a. Construção e consolidação de instituições
democráticas: papel do orçamento participativo. São Paulo em Perspectiva,
São Paulo, v. 15, n. 4, p. 84-97. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/spp/v15n4/10375.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
_____. 2001b. Federalismo e descentralização na
Constituição de 1988. Dados, Rio de Janeiro, v. 44, n. 3, p. 513-560.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/dados/v44n3/a03v44n3.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
_____. 2002. Governos e sociedades locais em contextos
de desigualdades e de descentralização. Ciência & Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, p. 431-442. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v7n3/13023.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
_____. 2003a. Federalismo e conflitos distributivos:
disputa dos estados por recursos orçamentários federais. Dados, Rio de
Janeiro, v. 46, n. 2, p. 345-384. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/dados/v46n2/a06v46n2.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
_____. 2003b. Regiões metropolitanas: condicionantes do
regime político. Lua Nova, São Paulo, n. 59, p. 137-158. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/
n59/a07n59.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
_____. 2004. Governos locais e gestão de políticas
sociais universais. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 2, p.
27-41. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/spp/v18n2/a04v18n2.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
TAVARES BASTOS. 1870. A província. Rio de Janeiro: MEC.
TORRES, H. G. & MARQUES, E. 2004. Políticas
sociais e território: uma abordagem metropolitana. São Paulo em Perspectiva,
São Paulo, v. 18, n. 4, p. 28-38. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/spp/v18n4/a05v18n4.pdf. Acesso em: 4.maio.2011.
Recebido em 1º de abril de 2009. Aprovado em 31 de agosto de 2009.
Fernanda Henrique Cupertino Alcântara (falcantara@ufv.br) é Doutora em Sociologia pelo
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e Professora na
Universidade Federal de Viçosa (UFV).
1 Este artigo resultou de parte da
minha tese de doutorado em Sociologia defendida no Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) em 2008.
2 No Brasil, as reformas dos anos
1930 com o Estado Novo, a reforma administrativa desencadeada pelo Decreto-Lei
n. 200/67 e, mais contemporaneamente, a Reforma Gerencial de 1995, promovida
pelo Ministério de Administração e Reforma do Estado (MARE) constituem-se nos
três grandes marcos reformadores no contexto da administração pública federal.
4 São competências partilhadas
entre União, estados e municípios: assistência e saúde pública; assistência aos
portadores de deficiência; preservação do patrimônio histórico, artístico e
cultural; proteção do meio ambiente e dos recursos naturais; cultura, educação
e ciência; preservação das florestas, da fauna e da flora; agricultura e
abastecimento alimentar; habitação e saneamento; combate à pobreza e aos
fatores de marginalização social; exploração das atividades hídricas e
minerais; segurança do trânsito; políticas para pequenas empresas; turismo e
lazer (SOUZA, 2004, p. 30). Em alguns setores ocorre um "vazio
governamental", em outros pode-se observar um nível elevado de eficácia.
Para Garson e Araújo (2001) a municipalização do ensino e da saúde, por
exemplo, provocaram maior eficácia do gasto público, já que os serviços
prestados foram expandidos, sem incorrer em uma elevação proporcional dos
gastos.
5 As pré-condições são, inclusive,
indicadas como elementos impeditivos da implantação do Orçamento Participativo
(OP) em cidades com características diferentes de Porto Alegre. O OP gera
práticas participativas e, com isso, fortalece a democracia. Mas o conceito de
OP pode ser visto por vários ângulos, principalmente do ponto de vista da
gestão, da educação, da política e do comportamento social. Por exemplo, Dias
(2000) argumenta que o OP também pode ser um projeto do poder Executivo para
controlar o poder Legislativo, a partir da manipulação, em um sentido amplo, do
poder de pressão da população. De qualquer modo, independentemente do conceito
e ângulo adotados, o OP tem confirmado-se como um importante mecanismo de
estímulo à mudança do comportamento social, ao promover a capacitação,
informação, associativismo e diálogo diferenciado entre o poder público e a
sociedade organizada. O argumento é que o "empoderamento" da
população mais pobre ganha relevo se comparado aos ganhos materiais obtidos,
embora tenha aumentado o acesso à infraestrutura e ao investimento público em
setores até então negligenciados pela administração pública, podendo reduzir,
dessa forma, o clientelismo.
7 Tal constatação justificou,
entre outras coisas, a criação do Instituto Brasileiro de Administração
Municipal (IBAM), do qual Lordello de Mello foi um dos fundadores.
8 Para Falleti (2006), o Brasil
seguiu esta última seqüência, o mesmo tendo ocorrido, por exemplo, na Colômbia,
o que garantiu autonomia significativa a governadores e prefeitos, enquanto a
Argentina seguiu a primeira alternativa.
10 Abrucio (2005) lembra que na
área de saúde os consórcios são mais comuns. Ver também Souza (2004).
11 Garson e Araújo (2001)
argumentam que a LRF é uma aliada do processo de municipalização, na medida em
que regula os gastos e "determina" a receita.
12 Souza (2004, p. 31) lembra que a
Constituição Federal de 1988 já impunha a cada município a elaboração de sua
própria Lei Orgânica, mas tal responsabilidade foi acrescida recentemente pela
obrigação de formular um Estatuto da Cidade, em função da Lei Federal n. 10
257, de 2001.
13 Órgão previsto na Constituição
de 1937 e criado em 1938 com o objetivo de racionalizar a administração
pública, rompendo com o que o Estado Novo considerava uma irracionalidade na
política.
14 Mas Souza (2002, p. 432) lembra
que apenas entre 1988 e 1997 foram criados 1 328 novos municípios.
16 Para Abrucio (2005, p. 49), a
descentralização por repasse de funções e a busca da estabilidade econômica
equivaleram, nesse período, à chamada "operação desmonte". Para
auxiliar na diminuição do gasto com pessoal nos estados, a União instituiu os
Programas de Demissão Voluntária (PDVs), para controlar a folha de pagamentos,
financiando as demissões pela Caixa Econômica Federal. Mas o problema novamente
residia no pagamento dos inativos. O autor argumenta que os recursos obtidos
com as privatizações não deram conta do pagamento da dívida pública devido ao
"rombo previdenciário", o que acarretou na criação de leis específicas
para impedir a evasão desses recursos, impondo às subunidades o chamado
"recolhimento na fonte".
17 Souza (2003b) afirma que, embora
os GSN tenham obtido um aumento relativo de suas receitas a partir da
Constituição Federal de 1988, a legislação federal não só sobrepõe-se à dos
GSN, embora lhes permita ter legislação própria, como também concentra sob sua
responsabilidade a formulação de políticas e legislação para as
"competências concorrentes". Com a redemocratização, o federalismo
passou por um processo de adaptação ao novo formato federativo, seguido pelo
Plano Real, que permitiu a noção clara da dívida dos estados e dos grandes
municípios, obrigando a União a assumir a resolução desse problema. E, por
último, o aumento do controle da gestão dos GSN, contando com escassos
mecanismos de cooperação intergovernamental, o que acabou por gerar tensões
quanto à distribuição de poder entre os níveis de governo, conquanto no Brasil
eles sejam autônomos e interdependentes.
18 O que anteriormente foi tratado
aqui, por outros autores, como adesão às políticas públicas formuladas
pela União e estados.
19 Para Abrucio (2005) a
descentralização também requer a adesão dos GSN às políticas públicas federais,
só que tal adesão decorre de processos de coordenação intergovenamental.