Autoria:
1.
Odone Sanguiné. Desembargador Aposentado do TJRS. Professor da UFRGS. Advogado.
2.
Paloma de Maman Sanguiné. Promotora de Justiça do Ministério Público do
Estado de São Paulo
RESUMO
O
artigo faz uma crítica ao Projeto de Emenda Constitucional n. 37, que preconiza
a exclusão dos poderes investigatórios do Ministério Público, outorgando-os,
com exclusividade, à instituição policial. Apresenta uma análise comparada de
diversos sistemas jurídicos e os principais argumentos criminológicos e de
política criminal que justificam a legitimidade da investigação criminal pelo
Ministério Público no Estado Democrático de Direito, coincidindo em sua
conclusão, aliás, com a recente tendência jurisprudencial favorável do Supremo
Tribunal Federal sobre o tema.
1. INTRODUÇÃO
A
finalidade destes apontamentos consiste em fornecer uma informação com base no
método comparado1
sobre a atual situação político-legislativa da investigação criminal pelo
Ministério Público nos países mais importantes da Europa e nos Estados Unidos,
visando a atender o objetivo prático de iluminar a política legislativa
brasileira, tendo em vista a intensa discussão que vem ocorrendo a partir do
Projeto de Emenda Constitucional 37, que pretende retirar os poderes de
investigação do Ministério Público.
2. A
INSTITUIÇÃO POLICIAL E SUAS FUNÇÕES NA SOCIEDADE GLOBALIZADA E DE RISCO
Historicamente,
a função policial de manter o controle social vem sendo legitimada pela
necessidade de controlar a criminalidade e prender os suspeitos ou presumidos
delinquentes. Entretanto, nem todo trabalho policial tem vinculação direta com
o controle da criminalidade, na medida em que a polícia também desempenha um
papel na manutenção da ordem pública e no controle da dissidência política.
Nas
sociedades pré-industriais, o controle da criminalidade era executado em nível
comunitário, sem uma força policial organizada. Com a industrialização,
funcionários específicos são nomeados para manter a ordem, o que redunda na
proliferação de forças especializadas. Como acontece com qualquer grupo
detentor de poder, há o perigo onipresente de corrupção, violência e racismo.
Segundo Charles Wilson, a tendência do policiamento é de gerar culturas
reacionárias, defensivas e centrífugas, resistindo à crítica e à reforma.2
As
teorias sobre a polícia estão intimamente ligadas com as ideologias políticas,
deduzindo-se, então, três abordagens: (a) uma visão conservadora
concebe a polícia como formada por combatentes do crime, quando a instituição
desempenharia também um papel integrativo na promoção da harmonia social; (b) a
visão marxista radical encara a polícia como uma agência repressora do
Estado (Althusser a incluía entre os aparelhos repressivos do Estado), sempre
agindo na proteção dos interesses da classe dominante e no controle da
resistência da classe trabalhadora contra a exploração; (c) mais recentemente,
surgiu uma abordagem orientada para um programa de ação política:
aceita a necessidade do policiamento e examina vários estilos e métodos do
policiamento de modo mais empírico, utilizando critérios como eficiência,
eficácia e aceitação pelo público.3
Na
verdade, a instituição policial não deve ser analisada unicamente como uma
função ou uma corporação, nem tão somente como um objeto ou um aparelho de
Estado, mas também sob uma leitura sociojurídica, segundo a qual a polícia
desempenha uma função simbólica, que se expressa como instrumento de
luta contra o crime, e uma função real, como aparelho de Estado
consistente em atuar como mecanismo de controle e de regulação social sob a
dependência teórica do Estado, daí que seja permitido o uso e aplicação da
força-violência como coação direta e legítima.4
Não
obstante, a soma das funções simbólica e real permanece sendo inidônea para dar
uma explicação satisfatória da existência da polícia em nossa sociedade, porquanto
desempenha mais funções e atividades do que as até aqui descritas. Dessarte, é
indispensável um enfoque sistêmico que revele a essência real da
instituição policial, mostrando que ela funciona como aparelho Estatal (função
visível) e, simultaneamente, como sistema polivalente (função oculta),
o que permite um duplo registro de leitura: como instrumento do poder e como
ente-poder em si mesmo. Assim, o enfoque policial resulta incompleto, na era da
globalização e da sociedade do risco, para compreender a temática da segurança
pública. Como os riscos, ou melhor, a segurança, não pode ser totalmente
garantida, permite-se a incorporação cada vez mais ativa de uma pluralidade de
atores públicos e privados quando se discutem políticas de segurança. Com isso,
não somente se produz uma quebra do conceito de monopólio estatal da violência
legítima, mas também decai o papel central da polícia em matéria de segurança.
Assim, é preciso descentralizar a polícia, para (re)situá-la como mais
um entre os atores que giram ao redor do verdadeiro problema, que é o da
segurança.5
3. MODELOS DE INVESTIGAÇÃO EXISTENTES NO
DIREITO COMPARADO
A
análise comparativa de alguns modelos de investigação em outros países
possibilita coletar dados úteis para demonstrar o equívoco da proposição
contida na PEC n. 37 de entregar, com exclusividade, a tarefa investigativa à
instituição policial, alijando a instituição do Ministério Público dessa
fundamental função estatal de controle da criminalidade, especialmente os
crimes praticados por pessoas nas altas esferas do poder político ou econômico.
3.1
Alemanha
Na
Alemanha, desde 1975 desapareceu a figura do juiz instrutor. O Ministério
Público é o dono e o senhor da instrução criminal, submetido ao princípio da
legalidade e obrigado a investigar os fatos de forma imparcial. A polícia é, no
processo penal, um órgão auxiliar que atua por ordem, direção e vigilância
jurídica do Ministério Público, competindo àquela a tarefa principal de
esclarecimento, vigiada e ordenada pelo Ministério Público. O trabalho prático
de investigação se transfere sempre em maior medida à polícia (§§ 152 e 161 a 163 da StPO). Somente
os casos que exigem, por um lado, conhecimentos jurídicos especiais e, por
outro lado, distintos meios materiais e pessoais são averiguados pelo próprio
Ministério Público (v. g., delitos econômicos, nos quais é
possível trabalhar inclusive em seu gabinete). O Ministério Público, como órgão
independente da administração de justiça, situado entre o executivo e o
judiciário, porém rodeado de garantias, pode e deve frenar, em todas as partes,
o excesso de zelo do Poder Executivo.6
Dado que ao Ministério Público está confiada a administração da justiça penal,
sua atividade, tal como a do juiz, não pode estar orientada às exigências da
administração, mas somente a valores jurídicos, isto é, a critérios de verdade
e justiça. Por conseguinte, apesar de a Polícia desempenhar atividades de
investigação, o Ministério Público conserva o domínio sobre o procedimento de
investigação preliminar, porquanto lhe incumbe: dirigir, conduzir ou vigiar o
procedimento de investigação; ordenar que se pratiquem as investigações e
realizar, pessoalmente ou mediante outras autoridades públicas, os atos de
investigação que considere necessários, ou delegar as diligências a outras
autoridades ou funcionários policiais, podendo, inclusive, ordenar medidas
coercitivas (prisão preventiva, sequestros etc. e realizar outras medidas de
investigação, conforme disposto no § 160 e ss. da StPO). Inclusive, se a
polícia investiga, o Ministério Público é responsável pela realização, ordenada
e completa, dessa tarefa.7
3.2 Itália
Um
dos aspectos mais representativos do sistema processual italiano, de caráter
acusatório, está constituído pelo desaparecimento da fase e da figura do juiz
de instrução, porque nele se reuniam duas funções incompatíveis: a de juiz e a
de investigador. Essa figura foi substituída por um juiz (denominado “Giudice
per le indagini preliminari”) sem funções investigatórias e em posição
imparcial (“Terzietá”) em relação às posições da acusação e da defesa,
também na fase de investigação preliminar, para assegurar uma garantia
jurisdicional nas intervenções limitadoras da liberdade.
Por
outro lado, o Ministério Público (“Publico Ministero”) – que integra o
corpo da magistratura – além de dirigir a Polícia Judiciária, que lhe é
auxiliar, e a investigação preliminar, pode desempenhar pessoal e diretamente
todas as atividades investigatórias permitidas à Polícia Judiciária ou, então,
valendo-se desta, com o êxito das investigações, promover a ação penal. Porém,
normalmente delega tais tarefas à polícia para evitar paralisá-la e desresponsabilizá-la.
Isso não impede que a polícia judiciária realize, mesmo depois da intervenção
ministerial, toda atividade necessária para a constatação dos crimes.8
3.3
Bélgica
Em
princípio, a tarefa de realizar a investigação cabe exclusivamente ao juiz
instrutor. Todavia, isso sofre temperamentos e exceções, de maneira que o poder
instrutório acaba por pertencer também a vários outros órgãos, como o
Ministério Público, o qual colabora a vários títulos para tal tarefa. Na fase
da investigação preliminar (“information”), que precede ao exercício
da ação penal, a jurisprudência reconhece ao Ministério Público o poder de
recolher todos os elementos necessários ao exercício da ação penal, embora sua
tarefa principal seja a de exercer a ação penal pública. Na fase preliminar do
processo penal, a “information” é conduzida sob a direção e a
responsabilidade do “procureur du Roi”. A investigação/inquérito (“l’enquête”)
é dirigida pelo Ministério Público com a assistência dos funcionários da
polícia judiciária, que agem a seu pedido, sob sua direção e vigilância. Além
da sua qualidade de magistrado, a lei reconhece a diferentes membros do
Ministério Público a qualidade de funcionário de polícia judiciária.9
3.4
França
O
Juiz de instrução busca todas as informações que acredita serem úteis para a
descoberta da verdade. Incumbe-lhe reunir tanto os elementos que evidenciem
tanto a culpabilidade como a inocência. Pode exercer por si mesmo seus poderes
de investigação, porém, na maioria dos casos, vale-se da polícia judiciária e,
se for o caso, de peritos.10
Os membros do Ministério Público são recrutados como os magistrados e pertencem,
portanto, ao corpo da magistratura, podendo, no curso da carreira, passar de
uma a outra função.11
O
Ministério Público é o ator principal no processo penal, tendo o poder de usar
do direito de ação pública.12
A Polícia Judiciária, no exercício das suas atribuições judiciárias, depende do
controle do juiz. Um dos motivos que justificam esse controle é de ordem
jurídica: a autoridade judiciária é a guardiã da liberdade individual. O
exercício da função policial apresenta o risco de atentar contra a liberdade
individual. A autoridade judiciária previne esse risco, controlando a polícia
judiciária. Em termos gerais, durante a investigação, os funcionários da
polícia judiciária são colocados sob a direção do Procurador da República, que
tem todos os poderes e todas as prerrogativas próprias dos funcionários de
polícia judiciária, podendo realizar todos os atos que sejam necessários à
investigação preliminar (“l’enquête préliminaire”). No ano 2000, o
legislador francês introduziu novas disposições visando reforçar o controle,
pelo juiz, de liberdades e de detenção, da investigação preliminar, quanto a
sua duração e quanto a sua direção efetiva pelo Procurador da República. Tanto
este como o Juiz de Instrução dispõem de todos os poderes de polícia
judiciária, podendo realizar, por si mesmos, os atos investigatórios
necessários à investigação e à persecução de infrações penais (art. 40 e ss. do
CPP). O legislador outorgou ao Procurador da República a faculdade de
participar da execução dos atos que ele tiver requisitado. Considerou-se que a
atribuição ao Ministério Público da investigação constitui garantia de eficácia
e rapidez em relação à investigação conduzida por um magistrado isolado e
exposto a riscos diversos.13
3.5
Portugal
A
reforma do Código Penal Português de 1987 confiou plenamente à promotoria o
essencial das funções de investigação. A partir daí, a primeira fase
(preparatória) do processo, de estrutura acusatória, está constituída pelo inquérito,que
constitui a fase de investigação anteriormente realizada pelo juiz de
instrução. O inquérito abarca as investigações preliminares e abrange as
investigações policiais sob a responsabilidade do Ministério Público, que deve
conduzir as investigações com independência e imparcialidade. Durante a
realização do inquérito, o MP conta com a colaboração dos órgãos de polícia e
de funcionários do Ministério Público, ambos sob a sua orientação direta e em
situação de dependência funcional. A instrução, apesar de estar atribuída ao
juiz de instrução, não tem a natureza de uma fase de investigação propriamente
dita, tendo essencialmente funções de garantia. Daí deriva sua natureza
subsidiária ou facultativa: a instrução somente se produz quando é requerida
pelo acusado ou pelo ofendido-assistente, quando algum destes não se conforma
com a decisão do Ministério Público.14
3.6
Inglaterra
A
Polícia é responsável, em primeiro lugar, pela investigação dos crimes. Se existem
suficientes indícios, poderá acusar o suspeito. Se for acusado, o suspeito terá
direito a receber detalhes escritos sobre o delito imputado, disponíveis em uma
“lista de acusações no juizado de polícia”. A Polícia entrega então o caso ao
Serviço da Promotoria da Coroa (“Crown Prosecution Service”), o qual
notifica e prepara o caso para o julgamento. Portanto, não existe juiz
investigador ou de instrução na Inglaterra e País de Gales. É dever da polícia,
com o conselho do serviço da Promotoria da Coroa, reunir as provas para
sustentar uma acusação.
Por
sua vez, o Ministério Público da Coroa, criado pelo “Prosecution of
Offences Act” de 1985, com a finalidade de conduzir o inquérito e de
limitar os poderes da polícia, é um serviço nacional independente e legal, que
se compõe de advogados assalariados que dirigem todas as acusações em nome da
Rainha. O seu papel é o de aconselhar a polícia, revisar a decisão de acusação
e preparar os casos para julgamento e apresentá-los aos Tribunais.
Precisamente, a criação do “Crown Prosecution Service” buscou evitar o
perigo de deixar à polícia a tarefa de conduzir sozinha a investigação, o que
levou à escandalosa condenação dos “Seis de Birmingham” à prisão
perpétua, fundada em confissões extorquidas pela polícia e utilizadas como
prova. Agora, o único poder que a legislação confere à polícia é o poder de
concluir o inquérito por ela iniciado.15
Convém
salientar que o sistema inglês distingue-se nitidamente do sistema
continental, na medida em que a abertura e desenvolvimento da fase preparatória
estão entregues, inteira e exclusivamente, à polícia: as investigações são
efetuadas pela polícia, a qual age em virtude de um poder que lhe é próprio ou
em virtude de uma ordem judicial por parte de um juiz de paz (“justice of
the peace”). Não obstante, após a entrada em vigor do Prosecution of
Offences Act de 1985, reduziram-se consideravelmente os poderes do Chefe
de Polícia (“Chief Officer”). Este conserva, ainda, o poder de
arquivamento; porém, se ele opta pela ação penal, a sua decisão é, agora, com o
novo texto legal, submetida ao exame do Promotor da Coroa, que dispõe do poder
exclusivo de arquivar a ação penal iniciada pela polícia (“Crown Prosecutor”).
Portanto, tornou-se um mecanismo complexo no qual intervém sucessivamente o “Chief
Officer”, que inicia a ação penal, e o “Crown Prosecution Service”,
que a confirma. A separação das funções no momento de estabelecer se promove ou
não a ação penal contribui sensivelmente na aproximação da Inglaterra com os
demais países.16
Os
membros do “Crown Prosecution Service” não podem realizar eles
próprios as investigações, mas o Promotor inglês tem a possibilidade de
impulsioná-las, porquanto pode solicitar à polícia um extrato da investigação.
A legislação de 1985 não conferiu ao “Crown Prosecutor” os meios para
obrigar a polícia a desenvolver as investigações complementares requeridas pelo
Ministério Público; por isso, desenvolveu-se uma praxe que consiste em proceder
ao arquivamento quando a polícia se recusa a obedecer. Trata-se de um meio
radical de pressão destinado a vencer as resistências da polícia. O Ministério
Público permanece, no entanto, alheio ao desenvolvimento concreto dos atos de
investigação e depende do trabalho da polícia, de maneira que cabe perguntar se
ainda é possível falar de controle sobre a decisão de exercitar a ação penal.17
Cabe
mencionar, por último, que a Grã-Bretanha, com o “Humans Rights Act”,
de 1998, incorporou a Convenção Europeia de Direitos Humanos na legislação
interna, de maneira que, pela primeira vez, os direitos que são reconhecidos na
Convenção podem ser diretamente invocados nas Cortes nacionais. As implicações
para o sistema de justiça criminal são profundas e de grande amplitude.18
3.7
Estados Unidos da América
Nos
Estados Unidos da América, não existe um juiz investigador ou um juiz de
instrução. A fase da investigação inicial está confiada aos agentes policiais e
às agências federais de investigação, que logo entregam o informe ao Promotor e
este então determina se há ou não elementos para apresentar a prova ante o “Grand
Jury”, que é tecnicamente parte do Departamento de Justiça e que se
utiliza também para investigar dados ou obter prova sobre uma atividade
delitiva suspeita. No sistema federal, a investigação é dirigida por agentes
federais de acordo e em coordenação com o Promotor ou um advogado do
Departamento de Justiça. Durante a fase de investigação, há uma colaboração
entre o Promotor e os agentes policiais. Mesmo após a realização da acusação
formal, o agente policial auxilia o Promotor.19
Na
década de setenta, quando foi realizado o mais completo estudo empírico em
relação a 153 Departamentos de Polícia sobre as deficiências na investigação
criminal pelos detetives policiais, os autores desse estudo recomendaram a
atribuição de algumas tarefas de investigação ao Ministério Público.20
São escassos os serviços de polícia norte-americanos de investigação criminal
que recolhem os principais elementos de prova capazes de oferecer ao Ministério
Público probabilidades sérias de conseguir uma condenação. Talvez essa
insuficiência de provas tenha contribuído para o incremento de casos arquivados
sem acusação e ao enfraquecimento da posição do promotor em sua negociação (“plea
bargaining”) com a defesa.21
4. SÍNTESE DOS DIVERSOS SISTEMAS DE
INVESTIGAÇÃO
A
primeira conclusão geral é a de que a instituição clássica e napoleônica do
Juiz de Instrução, como dono e senhor da investigação e das medidas cautelares,
está em franca decadência, e já se abandonou ou está praticamente abandonada na
maioria dos sistemas penais europeus (Alemanha, Portugal e Itália). Na própria
França, ela foi progressivamente marginalizada. Inclusive em países (v.g.
Espanha) em que ainda persiste o Juiz de Instrução, há uma tendência acentuada
no sentido de confiar ao Promotor atividades essenciais de investigação e
persecução da criminalidade e a criação da figura do “juiz de garantias”.22
A convicção é que esse modelo clássico já não serve. É necessário que o
processo seja o próprio de um Estado Democrático de Direito, cabendo propor que
o Ministério Público não somente seja a autoridade encarregada da investigação
criminal (tal como já ocorre em países do sistema continental europeu, como
Alemanha, Itália e Portugal), mas o diretor ou dono absoluto desta. Essa
modificação fundamenta-se basicamente em três aspectos de suma importância:
1.º) a instrução por parte do Juiz é puramente inquisitiva, incompatível no
processo penal próprio de um Estado de Direito que exige o modelo de processo
acusatório; 2.º) a necessidade, por colidir com o princípio de economia
processual, de evitar reiteração de atividades processuais, pois as mesmas que
pratica o Promotor as executa também o juiz instrutor, ou ao inverso,
conseguindo, com isso, uma notável celeridade do processo penal; 3.º) o
argumento mais importante, a favor da instrução pelo Ministério Público,
consiste em que não pode ser a mesma pessoa a que considere necessário um ato
de instrução e a que valore sua legalidade. O Ministério Público deve,
portanto, assumir a instrução, atribuindo-se-lhe o poder de investigar o crime,
enquanto que o Juiz deve ficar como controlador da legalidade dos atos
processuais realizados pelo Promotor, geralmente através de petições e dos
recursos, de maneira que se fortaleça notavelmente a imparcialidade judicial.
A
rápida análise comparada de seis sistemas nacionais (Alemanha, Itália, Bélgica,
França, Inglaterra e Portugal) do sistema continental europeu, revela,
em síntese, os seguintes aspectos basilares na relação de equilíbrio de poderes
entre o Ministério Público, polícia e magistratura, na etapa investigatória: as
legislações dos países mencionados – exceto a Inglaterra – admitem a
supremacia do Ministério Público como órgão de direção da fase preparatória da
ação penal. Ditos países salvaguardam a função de direção investigativa ao
Ministério Público, concebido como o principal motor da fase preparatória.
Essa supremacia exprime-se, por um lado, no fato de que não existe qualquer ato
da investigação que não possa ser realizado pelos membros do Ministério
Público, o que significa, a contrario sensu,que não existe
poder exercitado pela polícia que não pertença também a ele; esses países não
atribuem à polícia, a título exclusivo, qualquer dos atos investigativos da
fase preparatória; nenhuma investigação está, nesses países continentais,
reservada unicamente à polícia, a qual intervém, de fato, como órgão executivo
por força de uma diretriz do Ministério Público, e, de regra, controlado por
este. Não é demasia recordar que, nos vários países, o primeiro dos poderes
próprios do Ministério Público consiste em dirigir a polícia no curso das
investigações. Dito isso, sublinhamos que, se um grande número de investigações
são indiferentemente desenvolvidas pelo Ministério Público ou pela polícia, nem
todos os atos realizados no quadro da fase preparatória são comuns aos dois
órgãos. O Ministério Público dispõe, de fato, de poderes próprios, ou seja, de
atribuições exclusivas que a polícia não pode exercitar, v.g.,
o comparecimento forçado de testemunhas, a escolha de peritos, a prorrogação da
detenção etc., isso sem mencionar os poderes que detém com exclusividade na
fase da ação penal.23
Apesar
de, nos mencionados países europeus, ser o Ministério Público quem dirige as
forças policiais durante toda a duração da fase preparatória, na prática,
porém, constata-se, amiúde, que essa dependência funcional é mais teórica que
real, e que a polícia goza frequentemente, de fato, de uma verdadeira
autonomia.24
Não obstante, constata-se há longo tempo, em diversos desses Países, que o
Ministério Público, operativamente, intervém muito pouco. As intervenções são
raras, limitando-se a decidir sobre o conteúdo do expediente confeccionado pela
polícia.25
Cabe
recordar que a tendência clara de reforma das legislações recentes se orienta
no sentido de reforçar o papel do Ministério Público. Assim, o Código de
Processo Penal Italiano vigente, desde 1988, ao tornar o MP o dominus
da investigação preliminar, reduziu consideravelmente o risco de interferência
direta de parte do Poder Executivo.26
No continente europeu, os textos legais aprovam o poder do Ministério Público
de dirigir integralmente a fase preparatória do expediente, enquanto na
Inglaterra o “Prosecutor” exercita um papel somente na conclusão dessa
fase inicial. A tarefa do Ministério Público é, em todo caso, a de garantir a
legalidade processual: e porque a sua vocação consiste em prevenir a
arbitrariedade, o Ministério Público dirige e encerra a investigação no continente,
e reexamina as conclusões da polícia na Inglaterra. Em suma, a criação ou
revigoramento do Ministério Público respondeu a exigências de introduzir ou
reforçar a garantia de imparcialidade da fase preparatória e de evitar a
arbitrariedade.27
Historicamente,
na Alemanha, até o início do Século XIX, a confusão das funções judiciárias nas
mãos do Inquisidor tornou-se intolerável. Não somente a criação do Ministério
Público permite separar as funções de instrução e de julgamento, mas o
procurador, na sua qualidade de “guardião da lei” deve também agir de modo que
nenhum culpado escape à pena e que não seja processado nenhum inocente. Na
França, na metade da década de cinquenta do Século XX, os operadores jurídicos
denunciaram os abusos cometidos no exercício da ação pública por alguns membros
da polícia e projetaram purificar a atmosfera, reforçando o controle por parte
dos magistrados da procuradoria. O CPP francês de 1958 acolheu essa proposta.
Na Inglaterra, o legislador de 1985 estimou que as funções de investigação e a
decisão de exercitar a ação penal eram por sua natureza incompatíveis e não
podiam pertencer a uma mesma autoridade: a solução foi a criação do “Crown
Prosecution Service”, que deveria dispor da objetividade necessária para
verificar a adequação das provas no momento de pronunciar-se sobre a ação
penal. Na Bélgica, cogita-se também a reforma do “Code d”instruction
Criminelle”, preconizando um controle reforçado por parte do Ministério
Público sobre os serviços da polícia, a fim de ampliar as garantias
democráticas. Portanto, o temor de um Ministério Público “subjugado” pela
polícia encontra já ampla resposta na realidade dos países europeus.28
5. A
LEGITIMAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
5.1
Argumentos criminológicos
A
criminologia demonstrou ser em absoluto irrealista qualquer expectativa de “total
enforcement”, isto é, a resposta policial contra toda e qualquer
criminalidade. Para isso influem, seguramente, a escassez de meios, as
resistências decorrentes das concepções ideológicas e das representações
teóricas dos próprios policiais, bem como das várias formas de corrupção. As
investigações empíricas revelam as elevadíssimas cifras negras (“dark number”)
da criminalidade não investigada ou não esclarecida pela polícia.29
Aliás,
há um consenso na comunidade jurídica de que o vigente modelo de investigação
até pouco tempo confiado à polícia não é eficaz na investigação e elucidação
dos crimes.
Esse
quadro estatístico concernente à criminalidade global, em que predominam os
denominados crimes de rua (“street crimes”), agrava-se em virtude da
escassa apuração e/ou punição da criminalidade não convencional, ou seja, dos
crimes corporativos (“corporate and white-collar crimes”), do crime
organizado (“organized crime”) e do crime organizado transnacional (“transnational
organized crime”), cometidos com especial conhecimento técnico e
profissional por agentes que desfrutam de elevada posição de poder
socioeconômico dificultando, assim, a investigação e punição dessas atividades
criminosas.
5.2
Argumentos de política criminal
A
opinião pública e a comunidade jurídica internacional, indubitavelmente,
legitimam a investigação criminal e o controle da atividade policial pelo
Ministério Público. Os membros da Associação Internacional de Direito Penal,
reunidos no encontro preparatório de Berna, em abril de 1988, elaboraram uma
resolução – aprovada pelo Congresso da Associação Internacional de Direito
Penal (AIDP), de Viena, em outubro de 1989 – recomendando a necessidade de que
os órgãos de investigação atuem sob a direção e o controle de uma autoridade de
persecução ou de julgamento.30
Igualmente, o 8.º Congresso da ONU sobre a Justiça Penal e o Tratamento dos
Delinquentes, realizado em Havana, Cuba, em 1990, em sua recomendação n. 11,
atribui ao Ministério Público a realização de "investigações criminais no
caso de delitos cometidos por agentes de Estado, nomeadamente atos de
corrupção, de abuso de poder, de violações graves dos direitos humanos e outras
infrações reconhecidas pelo direito internacional". Também o “Corpus
Iuris” se refere ao futuro Ministério Público Europeu, que disporia de
amplos poderes de investigação em todo o território comunitário.31
Finalmente, nos crimes de competência do recém-instalado Tribunal Penal
Internacional, o Ministério Público tem o dever de realizar a investigação e
persecução penal, incluindo-se aí – numa tendência moderna de transcender sua
posição de parte acusadora a uma postura de imparcialidade – o dever de
investigar e de coletar e examinar todas as circunstâncias incriminadoras e as
excludentes, podendo determinar o comparecimento e interrogatório dos
indivíduos sob investigação, as vítimas e testemunhas (arts. 53 e 54, do
Estatuto de Roma do TPI, de 1998).
Na
América Latina, há um exemplo bem recente que sinaliza que a tendência
legislativa também se afina com o sistema continental europeu. No Chile, além
de previsto expressamente na Constituição, o recente Código de Processo Penal,
em vigor a partir de 2000, estabelece que o Ministério Público dirigirá em forma
exclusiva a investigação dos fatos constitutivos de delito, os que
determinarem a participação punível e os que comprovarem a inocência do
imputado (art. 3.º). Os Promotores praticarão todas as diligências que forem
conducentes ao êxito da investigação e dirigirão a atividade da polícia (art.
77). A polícia de investigações é auxiliar do Ministério Público nas tarefas de
investigação (art. 79); seus funcionários executarão suas tarefas sob a direção
e responsabilidade dos Promotores e de acordo com as instruções que estes derem
para os efeitos da investigação, sem prejuízo de sua dependência das
autoridades da instituição a que pertencerem (art. 80).
5.3
Argumentos normativos: a tendência jurisprudencial do STF
Não
só os subsídios coligidos nos sistemas comparados, mas também a melhor
hermenêutica constitucional legitima a investigação pelo Ministério Público.
Com
efeito, no Brasil, a fisionomia do Ministério Público vem delineada pela
Constituição Federal no Capítulo IV, arrolada entre as “funções essenciais
à Justiça”, como instituição permanente, essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF). Além disso,
a Constituição cuidou de assegurar-lhe uma série de garantias e
prerrogativas, entre as quais sobressai a autonomia funcional e
administrativa (§ 2.º, art. 127, CF), a vitaliciedade, a inamovibilidade e a
irredutibilidade de subsídio (art. 128, CF). Por último, mas não menos
relevante, a Carta Magna, no seu art. 129, expressamente atribuiu ao Ministério
Público as funções institucionais de “promover, privativamente, a ação penal
pública, na forma da lei” (inc. I), “promover o inquérito civil e a ação civil
pública” (inc. III), “exercer o controle externo da atividade policial”
(inc. VII), “requisitar diligências investigatórias e a instauração de
inquérito policial” (inc. VIII) e “exercer outras funções que lhe forem
conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade” (inc. IX). Ora, todas
essas funções restam esvaziadas se a Polícia detém o monopólio da investigação
criminal que desemboca no vetusto e jurássico inquérito policial.
A
Constituição Federal concebeu a “segurança pública” como “dever do
Estado, direito e responsabilidade de todos”, exercida para a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, por meio da
polícia federal, rodoviária, ferroviária, civil e militar (art. 144 da CF).
Entretanto, a Carta Magna somente diz que a exclusividade da Polícia Federal se
refere ao exercício de Funções de Polícia Judiciária da União, mas não para
investigações. Por outro lado, a incumbência à Polícia Civil dos Estados das
funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais foi conferida
sem o caráter de exclusividade. Não fosse assim, sequer estaria recepcionado o
art. 4.º do CPP, que permite a apuração de infrações por outras autoridades
administrativas. Ao fazer uma investigação no âmbito de suas atribuições, não
exerce o Ministério Público atividade de polícia judiciária, mas simplesmente
atividade de investigação, diversa do inquérito policial, de maneira semelhante
à que o particular também pode fazer. Invalidar elementos colhidos pela
investigação ministerial implicaria o absurdo de desconsiderar elementos de
convicção obtidos inclusive em inquérito civil autorizado pela Carta Magna.32
Ademais,
a Constituição Federal conferiu ao Ministério Público o controle externo da
polícia e a indispensável independência funcional para fazer frente às pressões
políticas e econômicas, situando a instituição entre as funções essenciais à
Justiça. O princípio constitucional da eficiência (art. 37 da CF) da
administração da justiça, no caso, na persecução criminal, ficaria
comprometido se o Ministério Público ficasse ornamentando a Constituição como
figura meramente decorativa, na medida em que seria um controle externo
puramente nominal ou simbólico, sem nenhuma concretização fática, se
permanecesse impassível sem poder investigar, quando a polícia, por inércia,
pressão do poder político ou econômico ou outro interesse espúrio, ficasse
impossibilitada de agir por falta de garantias. No Estado Democrático de
Direito tampouco é aceitável que o Ministério Público figure tão somente como
instrumento cego, quase subserviente, da “informatio delicti”
produzida pela polícia. Concepções antigas baseadas no CPP elaborado no auge da
ideologia Fascista, quando predominava o Estado de Polícia, devem ser
erradicadas, por intermédio de uma hermenêutica constitucional evolutiva e
sistemática, na medida em que a Constituição de 1988 acolheu outro modelo
ancorado no Estado Democrático de Direito.
A
especial posição de “independência funcional” do Ministério Público em
relação ao Executivo e às pressões de toda ordem, ao contrário da falta de
garantias da polícia em relação ao poder político e econômico, aconselha que o
MP possa realizar, por si mesmo, ou em conjunto com a Polícia, investigações
circunscritas a esse tipo de criminalidade, mas tão somente em caráter
excepcional, justificado em cada caso, incluindo-se nesse rol os crimes de
corrupção de funcionários, inclusive policiais, bem como os crimes cometidos
por autoridades pertencentes ao Poder Executivo e Político, ao qual a polícia
está subordinada diretamente.
Não
obstante, seria errôneo atribuir, como regra geral, ao Ministério Público o
papel ou as funções de polícia, pois, indubitavelmente, destruiria a função
constitucional do Ministério Público baseada na imparcialidade e compromisso
com os direitos fundamentais. Com efeito, a lógica da polícia é uma lógica
persecutória: ela tem a missão de encontrar os culpados, não os inocentes.33
Não parece adequado e nem suscetível de execução prática que o Ministério
Público possa e deva substituir a atividade de investigação policial, assumindo
as funções cotidianas da polícia ou a direção de inquérito policial, enquanto
persista o atual modelo, exercendo aí as atribuições de Delegado de Polícia,
emitindo ordens diretamente aos escrivães e inspetores de polícia.
No
esquema da Constituição Federal, a polícia está inserida como instituição
integrante da segurança pública, enquanto a função primordial do Ministério
Público vem desenhada pela Constituição Federal com instituição essencial à
justiça, “incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. A “independência
funcional” deriva logicamente como princípio institucional (art. 127 da
CF), assim como as garantias da “vitaliciedade”, “inamovibilidade”
e “irredutibilidade de subsídio” (art. 128, inc. V, alíneas “a”,
“b” e “c”, da CF).
Por
conseguinte, as regras existentes nos sistemas jurídicos examinados são
consentâneas com o nosso modelo constitucional na medida em que: (a) conferem
ao Ministério Público o poder de direção das atividades da polícia (controle
externo) e de realizar investigações, geralmente por meio de funcionários
policiais ou, em caráter excepcional, diretamente. A dedução evidente é que
quanto maior a autonomia de que a polícia dispõe na elaboração da investigação,
mais o controle do Ministério Público corre o risco de não ser senão um órgão
meramente “homologatório”34;
(b) o próprio Ministério Público deve investigar para obter não só os elementos
acusatórios, mas também os favoráveis à defesa, tal como exigem, v. g.,
a legislação Alemã e a Italiana35
e o Estatuto do TPI, o que guarda coerência com a sua posição constitucional de
função essencial à justiça para coibir abusos e evitar a arbitrariedade,
principalmente a garantia de independência funcional em relação ao Executivo;
(c) como a Constituição Federal não vedou expressamente o exercício eventual e
excepcional pelo Ministério Público do poder de investigação criminal, ele
resulta implícito de uma interpretação sistemática e teleológica, avalizada,
como vimos, pelo método comparativo, desde que se justifique, motivadamente, em
cada caso, com base em circunstâncias fáticas, o exercício anômalo desse poder
investigatório nos casos de omissão ou impossibilidade de investigação
policial. Isso decorre fundamentalmente do plexo das funções e garantias institucionais
albergadas nos arts. 127-129 da Constituição Federal. Nessa hipótese, os
membros do Ministério Público que tiverem atuado na investigação estarão,
sempre, impedidos de atuar na fase subsequente da persecução penal para
preservar sua independência funcional e imparcialidade
prevista na Constituição Federal.
6. O recente Projeto de Emenda
Constitucional (PEC) n. 37
A
PEC n. 37/2011, da relatoria do Deputado Federal Lourival Mendes, já aprovada
pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, mas ainda
pendente de votação pelo Plenário da casa antes de ser enviada ao Senado
Federal, visa acrescentar um § 10 ao art. 144 da Constituição Federal para
definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e
civil dos Estados e do Distrito Federal, estabelecendo “verbis”: “Art.
144. § 10. A
apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1.º e 4.º deste artigo,
incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito
Federal, respectivamente.”
Na
justificação do Projeto, consta que “o inquérito policial é o único
instrumento de investigação criminal que, além de sofrer o ordinário controle
pelo juiz e pelo promotor, tem prazo certo, fator importante para a segurança
das relações jurídicas.
A
falta de regras claras definindo a atuação dos órgãos de segurança pública
neste processo tem causado grandes problemas ao processo jurídico no Brasil.
Nessa linha, temos observado procedimentos informais de investigação conduzidos
em instrumentos sem forma, sem controle e sem prazo, condições absolutamente
contrárias ao Estado de Direito vigente (...omissis...). “Ao Ministério Público
nacional são confiadas atribuições multifárias de destacado relevo, ressaindo,
entre tantas, a de fiscal da lei. A investigação de crimes, entretanto, não
está incluída no círculo de suas competências legais. (...omissis...) Não
engrandece nem fortalece o Ministério Público o exercício de atividade
investigatória de crimes, sem respaldo legal, revelador de perigoso arbítrio, a
propiciar o sepultamento de direitos e garantias inalienáveis dos cidadãos.
O
êxito das investigações depende de um cabedal de conhecimentos
técnico-científicos de que não dispõe os integrantes do Ministério Público e
seu corpo funcional. As instituições policiais são as únicas que contam com
pessoal capacitado para investigar crimes e, dessarte, cumprir com a missão que
lhe outorga o art. 144 da Constituição Federal (...omissis...)”.
Como
se pode observar, os principais fundamentos da PEC n. 37/2011 são a falta de
previsão de regras expressas sobre o procedimento e o poder investigativo
conduzido pelo Ministério Público, bem como sobre suposta falta de condições
técnico-científicas para uma eficaz e adequada condução das investigações.
Tais
argumentos, contudo, são facilmente refutáveis.
Com
efeito, quanto à falta de regras que prevejam a forma da investigação criminal
feita pelo órgão ministerial, trata-se de circunstância que não justifica a
vedação ao poder investigativo do Ministério Público, mas, quando muito, exige
que o Poder Legislativo edite lei específica regulamentando a matéria, tal como
procurou fazê-lo a Resolução n. 13 do Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP) ao buscar delimitar o procedimento investigatório de forma adequada e
suficiente, razão pela qual tal argumento não se sustenta.
Por
outro lado, o Ministério Público está sim aparelhado com conhecimentos
técnico-científicos suficientes para bem conduzir uma investigação criminal.
Por exemplo, no Estado de São Paulo, a instituição conta com órgãos como o
Centro de Apoio Operacional à Execução (CAEX), que oferece suporte
técnico-operacional e serviços de informação/inteligência às Promotorias e
Procuradorias de Justiça do Estado, visando à melhoria da “performance” do
Ministério Público no cumprimento da sua missão constitucional. Dentre outros
procedimentos, o CAEX realiza pesquisas para localização de pessoas e elabora
relatórios sobre crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores,
mostrando-se uma eficiente ferramenta para o controle da criminalidade.
Finalmente,
a questão da falta de previsão expressa do poder de investigação pelo
Ministério Público já foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, com base na
conhecida “Teoria dos Poderes Implícitos”.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
Projeto de Emenda Constitucional 37/2011 significa um notável retrocesso, indo
na contramão das modernas legislações da União Europeia e dos Estados Unidos.
Ademais,
também colide com a mais recente tendência jurisprudencial do Supremo Tribunal
Federal – não obstante ainda pendente de julgamento a questão por seu órgão
Pleno –, que vem reconhecendo a legitimidade do Poder Investigatório do
Ministério Público.
Os
argumentos que conferem legitimidade constitucional vão sendo paulatinamente
explicados pelo Supremo Tribunal Federal em diversos arestos, dos quais
destacamos duas ementas elucidativas:
a)“Possibilidade
de investigação do Ministério Público. Excepcionalidade do caso. Não há controvérsia na
doutrina ou jurisprudência no sentido de que o poder de investigação é inerente
ao exercício das funções da polícia judiciária – Civil e Federal –, nos termos
do art. 144, § 1.º, IV, e § 4.º, da CF. A celeuma sobre a exclusividade do
poder de investigação da polícia judiciária perpassa a dispensabilidade do
inquérito policial para ajuizamento da ação penal e o poder de produzir provas
conferido às partes. Não se confundem, ademais, eventuais diligências
realizadas pelo Ministério Público em procedimento por ele instaurado com o
inquérito policial. E esta atividade preparatória, consentânea com a
responsabilidade do poder acusatório, não interfere na relação de equilíbrio
entre acusação e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial –
simultâneo ou posterior. O próprio Código de Processo Penal, em seu art. 4.º,
parágrafo único, dispõe que a apuração das infrações penais e da sua autoria
não excluirá a competência de autoridades administrativas, a quem por lei seja
cometida a mesma função. À guisa de exemplo, são comumente citadas, dentre outras,
a atuação das comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 58, § 3.º), as
investigações realizadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras –
COAF (Lei 9.613/98), pela Receita Federal, pelo Bacen, pela CVM, pelo TCU, pelo
INSS e, por que não lembrar,
mutatis mutandis, as sindicâncias e os processos administrativos no âmbito dos poderes
do Estado. Convém advertir que o poder de investigar do Ministério Público não
pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena
de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de
investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público,
merece, por sua própria natureza, vigilância e controle. O pleno conhecimento
dos atos de investigação, como bem afirmado na Súmula Vinculante 14 desta
Corte, exige não apenas que a essas investigações se aplique o princípio do
amplo conhecimento de provas e investigações, como também se formalize o ato
investigativo. Não é razoável se dar menos formalismo à investigação do
Ministério Público do que aquele exigido para as investigações policiais. Menos
razoável ainda é que se mitigue o princípio da ampla defesa quando for o caso
de investigação conduzida pelo titular da ação penal. Disso tudo resulta que o
tema comporta e reclama disciplina legal, para que a ação do Estado não resulte
prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. É que esse
campo tem-se prestado a abusos. Tudo isso é resultado de um contexto de falta
de lei a regulamentar a atuação do Ministério Público. No modelo atual, não
entendo possível aceitar que o Ministério Público substitua a atividade
policial incondicionalmente, devendo a atuação dar-se de forma subsidiária e em
hipóteses específicas, a exemplo do que já enfatizado pelo Min. Celso de Mello
quando do julgamento do HC 89.837/DF: “situações de
lesão ao patrimônio público, (...) excessos cometidos pelos próprios agentes e
organismos policiais, como tortura, abuso de poder, violências arbitrárias,
concussão ou corrupção, ou, ainda, nos casos em que se verificar uma
intencional omissão da Polícia na apuração de determinados delitos ou se
configurar o deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar, em
função da qualidade da vítima ou da condição do suspeito, a adequada apuração
de determinadas infrações penal”
(STF, HC 84965/MG, 2.ª T., rel. Min. Gilmar Mendes,
j. 13.12.2011, DJe 11.04.2012);
b)“Legitimidade do órgão ministerial público
para promover as medidas necessárias à efetivação de todos os direitos
assegurados pela Constituição, inclusive o controle externo da atividade
policial (incisos II e VII do art. 129 da CF/88). Tanto que a Constituição da
República habilitou o Ministério Público a sair em defesa da Ordem Jurídica. Pelo que é da sua natureza mesma investigar
fatos, documentos e pessoas. Noutros termos: não se tolera, sob a Magna Carta
de 1988, condicionar ao exclusivo impulso da Polícia a propositura das ações
penais públicas incondicionadas; como se o Ministério Público fosse um órgão
passivo, inerte, à espera de provocação de terceiros. 2. A Constituição Federal de
1988, ao regrar as competências do Ministério Público, o fez sob a técnica do
reforço normativo. Isso porque o controle externo da atividade policial engloba
a atuação supridora e complementar do órgão ministerial no campo da
investigação criminal. Controle naquilo que a Polícia tem de mais específico: a
investigação, que deve ser de qualidade. Nem insuficiente, nem inexistente,
seja por comodidade, seja por cumplicidade. Cuida-se de controle técnico ou
operacional, e não administrativo-disciplinar. 3. O Poder Judiciário tem por
característica central a estática ou o não-agir por impulso próprio (ne procedat iudex ex officio). Age por provocação das
partes, do que decorre ser próprio do Direito Positivo este ponto de
fragilidade: quem diz o que seja ‘de Direito’ não o diz senão a partir de
impulso externo. Não é isso o que se dá com o Ministério Público. Este age de
ofício e assim confere ao Direito um elemento de dinamismo compensador daquele
primeiro ponto jurisdicional de fragilidade. Daí os antiquíssimos nomes de
‘promotor de justiça’ para designar o agente que pugna pela realização da
justiça, ao lado da ‘procuradoria de justiça’, órgão congregador de promotores
e procuradores de justiça. Promotoria de justiça, promotor de justiça, ambos a
pôr em evidência o caráter comissivo ou a atuação de ofício dos órgãos
ministeriais públicos. 4. Duas das competências constitucionais do Ministério
Público são particularmente expressivas dessa índole ativa que se está a
realçar. A primeira reside no inciso II do art. 129 (‘II – zelar pelo efetivo
respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua
garantia’). É dizer: o Ministério Público está autorizado pela Constituição a
promover todas as medidas necessárias à efetivação de todos os direitos
assegurados pela Constituição. A segunda competência está no inciso VII do
mesmo art. 129 e traduz-se no ‘controle externo da atividade policial’. Noutros
termos: ambas as funções ditas ‘institucionais’ são as que melhor tipificam o
Ministério Público enquanto instituição que bem pode tomar a dianteira das
coisas, se assim preferir”
(STF, HC 97969/RS, 2.ª T., rel. Min. Ayres Britto,
j. 1.º.02.2011, DJe 23.05.2011).
Por
fim, convém salientar queno HC 84.548 – cujo julgamento pelo órgão
Pleno do STF foi interrompido por pedido de vista do Ministro Ricardo
Lewandowski –, dentre os onze Ministros que compõem a Corte, oito já votaram e
desses sete já se manifestaram pela legitimidade constitucional do poder de
investigação do Ministério Público.
Como
todo poder deve ser submetido a controles, o STF vem ressalvando, com razão,
que: (a) esse “poder de investigar do
Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem
qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos
fundamentais”; (b) essa “atividade de
investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público,
merece, por sua própria natureza, vigilância e controle”; (c) há necessidade de uma “disciplina legal, para
que a ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos
direitos fundamentais. A atuação deve ser subsidiária e em hipóteses
específicas” (STF, HC 91613/MG, 2.ª T., rel. Min. Gilmar
Mendes, j. 15.05.2012, DJe 17.09.2012).
Portanto,
urge que o retrógrado Projeto de Emenda Constitucional (PEC N. 37/2011) seja
rejeitado porque significa um retrocesso do Estado Democrático de Direito ao
antigo Estado de Polícia. A sua aprovação produziria uma perigosa insegurança
jurídica aos cidadãos, especialmente neste momento tão importante vivenciado
pelo Brasil em que assistimos a um eficaz controle à corrupção e à
criminalidade dos poderosos, notadamente do colarinho branco (“white-collar
crimes”) e dos crimes cometidos pelos entes coletivos (“corporate
crimes”). A tarefa das investigações criminais não pode ficar reservada,
com exclusividade, às agências policiais que não possuem estrutura sequer para
o controle dos crimes de rua (“street crimes”) e tampouco a necessária
independência das altas esferas do poder político e econômico.
1 A abertura de novos horizontes, graças ao
direito comparado, permite utilizar para a interpretação das normas de direito
nacional, além dos critérios tradicionais, o método comparativo,
particularmente através da microcomparação. Nesse sentido: Constantinesco,
Leontin-Jean. Tratado de derecho comparado. Madrid: Tecnos, 1981. v.
1, p. 283 e 316; p. 17-23; Jescheck/Wiegend. Tratado de derecho penal.
Parte geral. 5. ed. Comares, 2002 p. 49; Almeida, Carlos Ferreira de. Introdução
ao direito comparado. Coimbra: Almedina, 1994. p. 22-26.
2
Verbete “polícia”, in VV.AA. Dicionário do pensamento social do século XX.
Jorge Zahar, 1996.
4
Brunet, Amadeu Recasens I. La seguridad, el sistema de justicia criminal y la
policía. In: Bergalli, Roberto (Coord.). Sistema penal y problemas
sociales. Valencia: Tirant lo blanch, 2003. p. 288 e 297.
5
Idem, ibidem, p. 288-289, 297 e 305-310.
6
Baumann, Jürgen. Derecho procesal penal. Conceptos fundamentales y
principios procesales. Introducción sobre la base de casos. Trad. Conrado
Finzi. Buenos Aires: Depalma, 1986. p. 166-172 e 181-182; VV.AA. Sistemas
de proceso penal en Europa. Dirigido por Ramón Maciá Gómez. Barcelona:
Cedecs, 1998. p. 26 ss.
7
Roxin, Claus. Derecho procesal penal. Trad. Julio B. Maier. Buenos
Aires, 2000. p. 52-58; Baumann, Jürgen. Derecho procesal penal cit.,
p. 166-172;VV.AA. Procedure penali d’Europa. Padova: Cedam, 1998. p.
166; Gomez Colomer, Juan-Luis. El proceso penal aleman. Introducción y
normas basicas. Barcelona: Bosch, 1985. p. 149; Schlüchter, Ellen. Derecho
procesal penal. 2. ed. Valencia, 1999. p. 95.
8
VV.AA. Sistemas de proceso penal en Europa cit., p. 235-244; VV.AA. Procedure
penali d’Europa cit., p. 271 e 277 ss.; VV.AA.Processo penal e
direitos do homem. Rumo à consciência européia. Org. Mireille
Delmas-Marty.Trad. Fernando Franco. Barueri: Manole, 2004. p. 45-46;
Buono, Carlos Eduardo de Athayde; Bentivoglio, Antônio Tomás. A reforma
processual penal italiana. Reflexos no Brasil. São Paulo: RT, 1991. p. 32.
9
Bosly, Henri-D.; Vandermeersch, Damien. Droit de la procedure pénale.
La charte, Brugge, 2000. p. 240 e 269-270; VV.AA. Il proceso penale in Belgio. Procedure
penali d’Europa. Padova: Cedam, 1998. p. 59.
10
VV.AA. Sistemas de proceso penal en Europa cit., p. 157.
11 Rassat, Michèle Laure Rassat. Traité de
procédure pénale. Paris: Puf, 2001. p. 228.
12
Guinchard, Serge; Buisson, Jacques. Procédure pénale. 2. ed. Paris:
Litec, 2002. p. 570.
13 Fourment, François. Procédure penale.
Orléans: Paradigme, 2003. p. 59, 61-63 e 96; Guinchard, Serge; Buisson,
Jacques. Procédure pénale cit., p. 553-554 e 958; VV.AA. Procedure
penali D’Europa cit., p. 105; VV.AA. Processo penal e direitos do
homem cit., p. 40.
14
VV.AA. Sistemas de proceso penal en Europa cit., p. 316 ss.;VV.AA. Processo
penal e direitos do homem cit., p. 27-28 e 62-72.
15
VV.AA. Sistemas de proceso penal en Europa cit., p. 216-219; VV.AA.
Processo penal e direitos do homem cit., p. 29 e 92-94.
16
VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 406-415.
17
VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 414.
18
VV.AA. Criminal Justice and the Human Rights Act 1998. Jordans,
Bristol, 1999. passim.
19
VV.AA. Sistemas de proceso penal en Europa cit., p. 132 ss.
20
Greenwood et alii. The Criminal Investigation Process. A Summary Police
Analysis, cf. Rico, José Mª; Salas, Luis. Inseguridad ciudadana y
policia. Madrid: Tecnos, 1988. p. 117.
21
Rico, José Mª; Salas, Luis. Inseguridad ciudadana y policia cit., p.
191-192.
22
Sanguiné, Odone. Prisión provisional y derechos fundamentales.
Valencia: Tirant lo Blanch, 2003. p. 607 ss.; VV.AA. Sistemas de proceso
penal en Europa cit., p. 15 ss., passim; VV.AA. Processo penal e
direitos do homem cit., p. 255 ss. Porém, isso não impede a intervenção do
Ministério Público no processo ordinário por delitos graves, correspondendo-lhe
a inspeção direta da formação do sumário, que levará a cabo por si mesmo ou por
meio dos auxiliares ao lado do Juiz, com a faculdade de solicitar a prática de
diligências que se estimem necessárias. No âmbito do procedimento abreviado,
corresponde ao Ministério Público não somente a inspeção ou controle da
investigação, mas, também dar instruções à polícia judiciária, aportar meios de
prova etc. (Armenta Deu, Teresa. Lecciones de Derecho Procesal Penal.
Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 2003. p. 99-100). A recente reforma parcial da Ley
de Enjuiciamiento Criminal espanhola operada pela Lei 38, de 24 de outubro
de 2002, não modificou em nada a situação existente em relação aos papéis do
Juiz Instrutor e do Ministério Público concernente à instrução criminal.
Entretanto, atribui um maior protagonismo à Polícia Judiciária, atribuindo-lhe
praticamente a instrução em bloco de determinadas hipóteses. A opção
legislativa abala um pouco os fundamentos do sistema e não deixa de suscitar
mais um receio (Ramos Méndez, Francisco. Enjuiciamiento Criminal. Séptima
Lectura Constitucional. Barcelona: Atelier, 2004. p. 34).
23
VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 396 ss.
28
VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 417-419.
29
Figueiredo Dias, Jorge de; Costa Andrade, Manuel da. Criminologia. O homem
delinqüente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Ed., 1984. p. 444
ss.
30
VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 419.
31
Bueno Arús, Francisco; Miguel Zaragoza, Juan de. Manual de derecho penal
internacional. Madrid: UPC, 2003. p. 64.
32
Vid., com detalhes, por todos, Barcelos de Souza, José. Investigação
direta pelo Ministério Público. Revista do IBCCRIM, n. 44, p. 364 ss.
33
Baumann, Jürgen. Derecho procesal penal cit., p. 168; VV.AA. Procedure
penali D’Europa cit., p. 420.
34
VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 420.
35
VV.AA. Procedure penali D’Europa cit., p. 418-419.